AMIGOS DO IDEAL ESPÍRITA, HOJE O ESCRITOR E ESPÍRITA PEDRO CAMILO, QUE COLABORA CONOSCO, ESCREVEU EM SUA PÁGINA DO FACEBOOK UM TEXTO SOBRE CHICO XAVIER,
EM FACE SUA QUALIDADE ESTAMOS COPIANDO O TEXTO PÚBLICO DA INTERNET E REPRISANDO AOS SENHORES DO NOSSO BLOG ESPÍRITA.
10 ANOS SEM CHICO XAVIER NO MUNDO DOS ENCARNADOS, ESTE TEXTO FALA MUITO SENHORES E SENHORAS, UM MOMENTO DE INSPIRAÇÃO DE PEDRO CAMILO QUE CRESCE DENTRO DA COMUNIDADE ESPÍRITA PELA SUA SINCERIDADE, E CONHECIMENTO.
Desde a desencarnação de Chico Xavier, tenciono escrever algumas linhas
sobre ele, sua vida, sua obra. Em verdade, esse desejo é maior do que
comporta o espaço de uma crônica e, por certo, se transformará em um
trabalho um pouco maior. Entretanto, considerando-se que hoje, 30 de
junho de 2012, completam-se 10 (dez) anos do seu retorno à pátria
espiritual – se é que ele se encontrava distante de lá –, animei-me para
fazer, dentre as muitas que têm ocupado minha mente, uma reflexão, em
especial: por que transformamos Francisco Cândido Xavier numa espécie de
santo? Antes de indicar algumas razões, convém identificar
fatos e comportamentos que nos revelem essas atitudes, por assim dizer,
santificadoras da figura do médium mineiro. Além disso, recomendo ao
leitor que, ainda que algumas palavras o incomodem e inquietem, não se
furte a acompanhar o texto até o final, para que possa melhor se
certificar das minhas intenções ao traçar estas linhas.
Em
primeiro lugar, desde a década de 1970 e a aparição de Chico no programa
“Pinga-fogo”, Uberaba se transformou em uma espécie de Meca para os
espíritas, parada obrigatória, local sagrado de visitação. Não se
concebia que alguém, sendo espírita, nunca tivesse visitado a cidade
para se avistar com o médium, aquele médium tão conhecido e que foi
veículo de tantos espíritos distintos e reconhecidamente operosos. Lá,
filas imensas eram formadas por pessoas que desejavam beijar-lhe as mãos
ou, simplesmente, chorar diante deles, a fazerem seus mil pedidos e
orações, na esperança de obterem graças tão desejadas. Como classificar
tais comportamentos?
Nessa esteira, transformamos as palavras
de Chico Xavier, ou dos espíritos por seu intermédio, em verdades
absolutas, incontestes, não passíveis de discussão. Esquecemos que cada
médium e cada espírito trazem suas opiniões, como alerta Kardec, e nos
deixamos seduzir por qualquer noticiário que nos chegue, desde que
justificados pela assinatura de Chico ou dos espíritos que o
acompanharam. Como classificar tal postura?
Falamos de sua
vida, repetimos fatos de sua história, de suas dificuldades, como se
falássemos de um ser sagrado e que o foi, sobretudo, em virtude da
capacidade “extraordinária” de contato com os espíritos. Exaltamos sua
mediunidade e os fenômenos produzidos, como se o tivessem sido por ele
mesmo, Chico, esquecidos de que os livros e os fenômenos foram
provocados pelos espíritos (médium significa intermediário, afirma Allan
Kardec), estes sim, seus verdadeiros autores e que devem, com justiça,
merecer os louros pelo que fizeram. Como classificar tal distanciamento
doutrinário?
Após sua desencarnação, Pedro Leopoldo e Uberaba
se transformaram, para muitos, lugares sagrados. Peregrinações para
conhecer o lugar onde viveu aquele grande ser, para orar diante do seu
túmulo e de sua estátua (???). Aliás, tal estátua virou até lenda,
afirmando-se que produz uma água milagrosa que cura males e enfermidade,
que já é até engarrafada por pessoas que lá vão e se colocam, vivamente
emocionadas, a exortar e a prantear suas agruras diante da imagem do
ser venerado. Como classificar tal distorção?
Homenagens se
multiplicam mundo afora, em verdadeira demonstração de que temos
confundido a pessoa com seu trabalho, desconhecendo o papel secundário
que os médiuns desempenham na tarefa mediúnica.
E outros tantos exemplos poderíamos dar, deste processo de santificação de Chico Xavier.
Tudo isso temos feito por nossa lamentável ignorância sobre os seguintes aspectos:
- mediunidade não é privilégio de pessoas especiais, por não se tratar
de um dom sobrenatural, e sim faculdade natural, que todos possuímos,
embora em graus e intensidade diferentes;
- médiuns não são
deuses, e sim pessoas normais, comuns, “filhas de Deus, nessa canoa
furada” em que nos encontramos. São pessoas que vivem e respiram como
todos os demais e que não estão livres dos dissabores da vida;
-
temos uma herança atávica terrível, que ainda nos dita a necessidade de
criarmos os nossos cultos externos e “inventarmos” pessoas para
idolatrar. Seja pela educação recebida, seja pelas marcas ainda muito
vivas das experiências religiosas de outras encarnações, ainda
precisamos, no fundo d’alma, criar mitos para venerar, o que em nada se
coaduna com a proposta libertadora e renovadora que o Espiritismo traz.
É preciso lembrar que Chico também foi – e continua sendo – gente!
Privou de muitas dificuldades íntimas, lidou com os males físicos que,
para ele, se fizeram irremediáveis, se viu envolvido em problemas de
toda ordem, possuía limitações diversas, o que faz concluir que não
estava entre nós por acaso – também ele possuía suas questões a
resolver.
Não era uma alma perfeita, evoluída, mas que soube
aproveitar algumas oportunidades para trabalhar, em si, virtudes como
paciência, resignação, devotamento e humildade, e mais por isso, do que
propriamente pelos fenômenos mediúnicos, é que deve ser lembrado e
respeitado em sua tarefa.
Estejamos bem atentos no que fazemos,
quando levamos adiante esse clima santificador em torno de Chico
Xavier. Reconhecê-lo humano, de carne e osso, com suas limitações e
conflitos, o torna muito maior do que esse santo que tanto pintamos. É
muito mais encorajador reconhecer a verdade e nos sentirmos
verdadeiramente confiantes para arrostar as tempestades de nossas vidas,
por termos, como exemplo, um igual, do que fantasiar e imaginar poderes
sobre-humanos inexistentes, distanciando-o da nossa realidade e
imaginando inalcançável a sua superação.
Com isso, não estamos
desconsiderando o grande valor pessoal e doutrinário de Chico Xavier.
Sua contribuição mediúnica foi fundamental para redefinir os rumos do
Movimento Espírita e da própria Doutrina, bem como seus exemplos são
sobremodo reveladores do avanço moral que conseguiu consolidar na
presente encarnação.
Contudo, seja como médium, seja como
pessoa, Chico não necessita de homenagens e de idolatria! Encarnado,
sempre fugiu desses confetes e dessas deturpações. Por que o forçarmos a
recebê-las agora, quando, na condição de espírito, necessita de
tranquilidade para cuidar de seus interesses?
Farei minhas as palavras seguras e firmes de outra médium notável, Yvonne do Amaral Pereira, que tinha e sabia o que dizer:
"O médium não tem que receber privilégios, nem elogios, nem homenagens
especiais. Esse erro tem entravado, prejudicado e até destruído o
progresso de muitos médiuns. O médium é um ser no Bem como outro
qualquer, e, como intermediário entre o Invisível e a Terra, está
cumprindo o seu dever como os demais adeptos cumprem o deles. Precisa,
sim, é de caridade... e orações que lhe deem forças para o mandato que
deverá desempenhar. Lembremos de que o próprio Mestre disse aos seus
apóstolos: 'Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi
ordenado, dizei: Somos servos inúteis porque fizemos apenas o que
devíamos fazer' (Lucas, 17:3 a 10)". (Do livro Pelos caminhos da
mediunidade serena)
Dissemos e repetimos: nem Chico é um santo,
nem nós necessitamos desse culto externo para reconhecer o seu valor.
Se quisermos verdadeiramente homenageia-lo e reconhecer sua importância,
adotemos dois comportamentos: estudemos longamente os livros que
produziu, buscando divulgá-los e esclarecê-los para toda gente (aquela
caridade para com a Doutrina de que nos falou Emmanuel), e sigamos seus
exemplos de renúncia, humildade e devotamento ao Bem.
Aí, sim, estaremos cumprindo – e bem cumprindo – o nosso papel!
Salvador, 30 de junho de 2012.
Pedro
Camilo