Segundo narra o
Evangelista Lucas (capítulo II), Augusto César, imperador romano, decretou um
recenseamento na Palestina, sob a orientação de Quirino, governador da Síria.
O principal objetivo, óbvio, era fiscal.
Roma, a grande senhora que dominava o Mundo, desejava saber quantos potenciais
pagadores de impostos sustentavam a riqueza e a boa vida de sua aristocracia.
Os judeus deveriam ser
recenseados em sua cidade de origem, o que provocou invulgar movimento nas
estradas e nas cidades. José, que morava com Maria em Nazaré, era natural de
Belém. Viu-se, portanto, na contingência de uma viagem que demandava perto de
cinco dias.
A estalagem,
previsivelmente, estava lotada. O casal acomodou-se num estábulo, provavelmente
na periferia. A tradição fixou o local como uma gruta e inseriu um boi e um
asno, não presentes no relato de Lucas, que é extremamente lacônico.
Informa o evangelista,
com absoluta economia de palavras, no versículo 7:…e teve um filho primogênito, e o enfaixou e o deitou em uma
manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Quanto ao
mais, funcionou a imaginação. Envolver a criança em faixas era um costume
hebreu que tinha por objetivo não apenas aquecer a criança, mas também limitar
seus movimentos. Acreditava-se que isso garantiria braços e pernas fortes e sem
problemas.
Nesse ínterim, pastores
que cuidavam de seus rebanhos, nas cercanias de Belém, foram visitados por um
anjo. Este os informou de que o emissário divino, aguardado com grande
expectativa pelo povo judeu, chegara finalmente. Haveriam de encontrá-lo numa
manjedoura, envolto em panos. Outros anjos apareceram e, num coro celestial,
entoaram em glorioso cântico, a proclamação: Glória a Deus nas Alturas, paz na Terra aos homens de boa vontade.
Partindo
ao encontro de Jesus, os pastores o encontraram como fora indicado e lhe
renderam homenagens.
***
Temos aqui, caro leitor,
em breves palavras, o nascimento de Jesus, comemorado festivamente em 25 de
dezembro, data magna do Cristianismo, o acontecimento mais marcante da
História.
No Natal, que significa
nascimento, há um clima de esperança e fraternidade nas comunidades cristãs.
Jesus parece mais próximo dos homens. O correto seria dizer que estamos mais
perto dele, ante a mística natalina, a exortar a boa vontade, a vontade de ser
bom.
***
A narrativa atribuída a
Lucas é bela e poética, mas a exegese bíblica sugere que não guarda fidelidade
aos fatos. Começa com o recenseamento. É estranho que os habitantes da
Palestina, perto de um milhão de judeus, se submetessem ao censo na cidade de
seu nascimento. Por que não na localidade onde residiam, como manda a boa
lógica? Dá para imaginar a confusão resultante, absolutamente desnecessária.
Muitos exegetas afirmam
que Jesus nasceu em Nazaré. A narrativa introduzida no Evangelho de Lucas teria
por objetivo dar cumprimento a antiga profecia judaica, segundo a qual o
enviado divino nasceria em Belém. Daí a suposta viagem no controvertido censo.
***
Jesus foi tão importante
para a História, que a dividiu o calendário: antes e depois dele. Por isso
contamos os anos a partir de seu nascimento, nos dois sentidos do tempo linear.
Augusto César, por exemplo, nasceu no ano 63 a . C. (antes de Cristo), e
morreu em 14 d. C. (depois de Cristo). Usa-se, também, no segundo caso, a
abreviatura a. D. do latim anno Domini (no
ano do Senhor).
Essa mudança ocorreu no século VI, a partir
dos cálculos efetuados por Dionísio, um monge e escritor cristão que, em face
das limitações de seu tempo, errou em alguns anos. Sabemos hoje que Jesus
nasceu aproximadamente quatro a seis anos antes da data fixada.
***
Desconhece-se o dia exato
do nascimento de Jesus.
No século IV as autoridades religiosas
optaram por 25 de dezembro, que marcava o início das festas populares da
primavera, a suceder o inverno. Era a vida recomeçando após a morte simbolizada
pelos meses frios. Considerava-se o nascimento de Jesus o marco do renascimento
espiritual da Humanidade, assim como o dia sucede a noite e a vida sucede a
morte.
As dúvidas que envolvem o
natalício do Senhor, longe de tirarem o brilho e a beleza do Evangelho, apenas
demonstram que não devemos nos deter em detalhes dispensáveis.
Centralizemos nossa atenção no que há de
relevante em seu nascimento, destacando o objetivo de sua missão.
Ele veio ensinar como
construir o Reino Divino, a partir do alicerce fundamental – o amor a Deus
sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.
Em boa lógica, sob o
ponto de vista humano, Jesus deveria ter nascido filho do imperador romano.
Assim desfrutaria do
necessário poder para o desempenho da grandiosa missão, impondo sua mensagem
aos homens. As legiões romanas seriam a garantia do cumprimento de suas
determinações.
Nada disso aconteceu. Jesus
preferiu nascer numa das mais obscuras províncias do império, à distância do
poder, filho de humilde carpinteiro. Situou-se tão longe de Roma, palco dos
acontecimentos marcantes da época, que a História praticamente o ignorou.
Por que semelhante
escolha? Para entender isso, consideremos o fato fundamental que distingue
Jesus dos líderes religiosos em geral: ele foi o único que, em todas as
circunstâncias, exemplificou sua mensagem. Viveu seus ensinamentos.
Contemplamos assombrados,
na vida dos grandes líderes religiosos, fundadores de religiões, flagrantes
contradições entre o que pregavam e a realidade de seu dia a dia. A mensagem
que traziam parecia maior que eles, incapazes de superar as limitações de seu
tempo. Pesava em seus ombros.
Com Jesus foi diferente. Ele
foi tão grande quanto sua mensagem e a vivenciou inteiramente. Ensinava que os
homens são todos irmãos, filhos do mesmo Deus, pai de amor e misericórdia. Por
isso não discriminava ninguém, nem recusava a convivência com a chamada gente de má vida, proclamando que os sãos
não precisam de médico.
Ensinava que devemos fazer ao próximo o bem que gostaríamos nos
fosse feito, e passou seu apostolado a atender necessitados de todos os
matizes, curando enfermos do corpo e da alma.
Ensinava que devemos perdoar não apenas sete vezes, mas setenta
vezes sete, sempre, e jamais asilou ressentimentos ou mágoas, mesmo contra
os piores adversários. Culminou por perdoar seus algozes na cruz.
E ao retornar à convivência dos discípulos,
na gloriosa materialização, longe de admoestá-los por tê-lo abandonado no
momento extremo, simplesmente os saudou com o carinho de sempre – a paz esteja convosco, convocando-os
depois à gloriosa disseminação de seus princípios.
Empenhado em demonstrar,
desde o primeiro momento, que o caminho para Deus passa pelo despojamento dos
interesses humanos, das ambições, do comprometimento com o poder e com a
riqueza, preferiu nascer filho de um humilde carpinteiro, no seio de um povo
sem expressão no contexto de Roma.
Exemplificava, assim, uma
lição ainda não assimilada pela Humanidade: o valor de um homem não pode ser
medido por sua origem, por sua profissão, pelo dinheiro, pela posição social,
pelo poder que acumula, mas pelo seu empenho em contribuir para a harmonia e o
bem-estar da sociedade em que vive, seja ele o presidente da república ou o
mais humilde trabalhador braçal.
Por isso, em qualquer
tempo, sempre que nos detivermos na apreciação do nascimento de Jesus, não
importa saber se as informações de Lucas são rigorosamente exatas; se Jesus
nasceu em Belém ou Nazaré; se foi no ano um ou antes; se em dezembro ou noutro
mês.
Devemos avaliar, isto
sim, se já iniciamos uma nova contagem
do tempo em nossa vida. Se já
podemos comemorar o anno Domini,
aquele ano decisivo do nascimento de Jesus em nossos corações.
É fácil saber. Considerando
que sua mensagem sintetiza-se no espírito de serviço em favor do bem comum,
basta avaliar quanto de nosso tempo
fazemos um tempo de servir.
O autor, mantém uma página no Facebook Richard Simonetti, e estará recebendo e-mails sobre este texto e outros assuntos que a comunidade espírita e não espírita queira trocar com o companheiro de jornada.
Richard Simonetti
Richardsimonetti@uol.com.br
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