Lana aborrecia-se com sua mãe.
Dona Lourdes estava com setenta e cinco anos, tomada de achaques e de impertinências.
Semi-inválida, precisava de muita paciência e atenção. O marido e os filhos
sugeriam, não raro, que seria melhor interná-la num abrigo para idosos, mas ela
se recusava.
Lembrava sempre a afirmativa de
Allan Kardec: tudo o que os filhos fizessem por seus pais representaria apenas
os juros do que receberam, o pagamento de uma dívida de gratidão. Quanto a isso
não havia dúvidas. A idosa senhora fora mãe dedicada e carinhosa. Cuidara muito
bem dela. Quando, com base em suas próprias experiências maternas, pensava nas
noites insones, nas preocupações ante enfermidades infantis, nos infindáveis
cuidados que uma criança exige, no diligente esforço da genitora em seu
benefício, parecia-lhe um crime descartar-se dela.
Esforçava-se por cumprir seus
deveres como filha. Ainda assim, havia momentos em que o abrigo lhe parecia
tentador, até que travou contato com Heloísa, simpática senhora que começara a
frequentar o Centro do qual participava.
Buscando estreitar laços de
amizade, fez-lhe uma visita e encontrou-a às voltas com sua mãe, sofrida anciã,
cega e com adiantada surdez. Muito insegura, ela reclamava a presença constante
da filha, deixando escapar, na conversa vacilante, o receio de ser abandonada à
própria sorte.
– Nossos velhos dão muito
trabalho, não é mesmo? – comentou, quando se viu a sós com a dona da casa.
– É assim mesmo – respondeu
Heloísa sorrindo. – A velhice impõe imensas limitações, em sofrida dependência.
– Confesso que a paciência não é
o meu forte. Só fico com a mamãe porque o Espiritismo ensina que tenho esse
dever. Ela cuidou de mim durante muitos anos. Foi meu apoio constante, mesmo
depois de meu casamento. Ajudou a cuidar dos netos…
– Realmente, somos grandes
devedoras de nossas mães. Pelo simples fato de nos terem posto no mundo,
sujeitando-se aos nove meses de gestação e às dores do parto, merecem todo o
nosso respeito e solicitude.
– Você tem irmãos?
– Somos oito.
– Meu Deus! Quanta gente!...
Rodeada de filhos, ainda assim sua mãe tem receio de ser abandonada?
– É o seu maior temor.
Apavora-se ao pensar nisso.
– Há algum fundamento?
– Talvez seja porque nos deixou
a todos... Alguns meses após o falecimento de meu pai ela se envolveu com um
homem, apaixonando-se perdidamente. Dispôs-se a viver a seu lado e porque ele
não aceitasse os filhos, partiu sozinha.
– Meu Deus! E como vocês ficaram?
– Meu irmão mais velho, com
dezessete anos, e eu, com dezesseis, assumimos os encargos da família. O mais
novo tinha dois anos. Foram tempos difíceis. Cheguei a trabalhar como serviçal
doméstica. Mas, com a graça de Deus, aos poucos melhoramos nossa situação. Hoje
estamos bem e todos casados.
– Ficaram muito tempo sem
contato com a mãe?
– Vários anos.
– Como a encontraram?
– Foi há dois anos. Ela já
estava cega e alquebrada. Seu companheiro, com câncer no estômago, morreu pouco
depois.
– Entendo agora os temores de
sua mãe. Imagina que façam com ela o que fez com vocês.
– A pobrezinha está bem frágil.
É natural que tenha receios.
Lana sentia-se perplexa.
– Apesar de tudo o que o
Espiritismo ensinou-me, não sei se teria disposição para assumir uma mãe que
houvesse abandonado a família por um pilantra qualquer...
– Bem, eu não entendo muito da
Doutrina. Sou apenas uma iniciante. Guio-me pelo coração e dentro dele não há
espaço para rancores contra mamãe. Meus irmãos compartilham do mesmo
sentimento. Ela sofreu muito. Foi judiada pelo homem que escolheu. Encaro sua
deserção como uma espécie de doença moral. Ela precisa de mim...
Lana
despediu-se e, de retomo ao lar, admitia que sua nova amiga estava bem adiante no
aprendizado espiritual.
Richard Simonetti, 81, é espírita, escritor, dirigente, editor, um dos maiores divulgadores da doutrina espírita pelo Brasil e pelo Mundo, é colaborador deste blog, tem os seus sites e blogs e redes na Internet, homem e espírita muito respeitado pela sua postura diante da Doutrina Espírita de acordo com a codificação de Allan Kardec, recebe e-mails esta página sobre o tema e outros em richardsimonetti@uol.com.br
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