sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

FÉRIAS ESPÍRITAS - POR MARCELO HENRIQUE






Conceitua-se como férias, na esfera trabalhista, no âmbito profissional, o direito do trabalhador ao afastamento remunerado, a cada doze meses de cumprimento de sua jornada de trabalho. O instituto, que é jurídico, está presente em todos os países, variando, apenas, no que concerne ao tempo e à forma de seu exercício. 

Gosto muito de um adágio contido no Antigo Testamento, que diz: “trabalharás e ganharás o sustento (pão) com o suor do teu rosto”, contido no livro mosaico “Gênesis” (3: 19). 

O fato é que homens e mulheres, realizando atividade profissional, laboral, com ou sem vínculo empregatício, pois há os que são liberais, sem carteira assinada e donos de seus próprios negócios, esperam o momento de descanso, para “largar tudo” e fazerem o que quiserem do tempo em que não será necessário o seu concurso naquelas atividades. E, mesmo, considerando o lócus familiar, crianças e adolescentes que (ainda) não trabalhem, também esperam pelo momento em que seus pais ou responsáveis estarão “sem trabalhar” e eles, com frequência, também não estarão em atividades educacionais ou escolares. Todos, portanto, sem a incumbência de seus ofícios, caso a caso. 

E a casa espírita? E as atividades espíritas a que você se vincula? Há férias? Há interrupção dos “trabalhos”? A casa fecha suas portas? Os “trabalhadores” espíritas de diversas frentes, têm “férias”? 




Precisamos elevar, um pouco, a alça de mira de entendimento deste, digamos, espinhoso assunto. Vamos lá... 

O que é o Centro Espírita? Qual a fundamentação de sua existência? Para que serve? A quem atende? Com quem conta? Como é composto sua estrutura humana, isto é, quem são e a que se dedicam seus afiliados? 

Vamos voltar no tempo... O primeiro embrião de “centro espírita” está sediado na Europa do Século XIX – e, depois, também, na América do Norte, apesar de, circunstancialmente, os “fenômenos espíritas” (tais quais o conceituou o Professor Rivail, depois Allan Kardec) terem eclodido, primeiro, com os “raps” (batidas) na América. Depois é que vieram as mesas girantes, na Europa, fenômeno que atraiu o homem cético, de ciência, de pedagogia, Rivail. Espontaneamente, a partir da divulgação da primeira obra kardeciana (“O livro dos espíritos”), foram surgindo, nos dois continentes, agremiações (sociedades, na dicção jurídica da época) espiritistas. A Kardec coube, digamos, a honra de, por suas mãos, como criador da Doutrina Espírita (em parceria, claro, com médiuns e Espíritos de diversas localidades), estabelecer o “primeiro centro espírita do mundo”, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE). A partir dela e dos conceitos proclamados por Kardec nas orientações contidas em diversas de suas obras e na Revue Spirite, foram aparecendo outras ou, até, instituições que já funcionavam na prática foram adquirindo a “cor” de entidade espiritista. 

Basicamente, este modelo é o que inspira a existência dos milhares de centros espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Note-se, ainda, a ênfase dada pelo Codificador ao conceito de “grupo familiar de espiritismo”, exortando e estabelecendo como premissa (necessária e desejável) que os seus participantes (associados, hoje, sócios àquela época) tivessem, entre si, laços de fraternidade, proximidade e simpatia. 

O “padrão” de Centro Espírita no Brasil, sabe-se, não segue literalmente este modelo. Assumiu, em nosso país, uma “conotação” um pouco, digamos, “diferente”. É claro que as pessoas podem ter, entre si, senão todas, algumas, ligações fraternas. Mas, como em qualquer agrupamento humano, haverá indiferença e, até, animosidades, porque não disser, até, ódio ou antipatias. Este elemento, embora não preponderante, também pode interferir não só na “qualidade” das atividades como na constância, repetitividade e na suspensão de certas reuniões e grupos. 

A SPEE – ou qualquer “centro espírita” da época em que nasceu e floresceu o Espiritismo DE KARDEC – possuía características e organização distintas do padrão comum das entidades congêneres que existem no Brasil há décadas – e, também, em várias partes do mundo, embora, também se saiba, o “modelo” não é originário destes países mas está correlacionado à presença de brasileiros (trabalhando, estudando ou realizando atividades diplomáticas, por exemplo, para ficarmos, apenas, em alguns exemplos) e que resolvem “criar” um núcleo espiritista naquelas localidades. Nada contra. Mas não são, em verdade, salvo raríssimas exceções, agrupamentos de cidadãos originários daquelas plagas, que tomaram conhecimento do Espiritismo e resolveram, aos moldes kardecianos, constituir agrupamentos associativos espíritas. Não, mesmo! 

No Brasil, parafraseando alguns autores desencarnados e algumas lideranças espíritas, é um templo (igreja ou espécie de), uma escola (entidade educacional, instrucional), um hospital (local de atendimento de “pacientes”, necessitados, encarnados ou desencarnados), uma entidade assistencial (para prover necessidades materiais dos que não as possuam ou não tenham condições de provê-las). Faltou algum quadrante? Pelo que conheço e em linhas gerais, penso que não! Aí estão listadas as “funções” de uma instituição espírita brasileira. 

Este referencial é importante para estabelecer algumas premissas para a consideração do tema deste ensaio. Para o “Trabalho” (ainda que simbólico, com outra tradução ou definição) e para as “Férias”. 

Das quatro “características” ou “ambiências” citadas acima, ao que um centro espírita se assemelharia, dependendo da atividade, função ou ação que desempenhe, apenas a escola tem férias. As outras concedem férias, no cenário social, mas não fecham suas portas, já que há outras pessoas destinadas previamente a substituir os que estejam em férias. Sim, porque num hospital, por exemplo, não são todos os médicos, os enfermeiros, os atendentes, o pessoal de limpeza ou de cozinha, que tiram férias ao mesmo tempo. Há, como se sabe, uma escala de trabalho e de férias, de modo que as atividades desempenhadas sejam, sempre, ininterruptas. 

Se você encara a atividade espírita como “trabalho” (mesmo que não receba, ela, o mesmo critério jurídico de configuração, evitando-se, por exemplo, inclusive, ações de indenização ou de busca de reconhecimento de vínculo trabalhista, como já vimos muitas, país afora), então, provavelmente, o seu conceito de existência e desempenho das atividades realizadas numa entidade espírita, também, devem ser ininterruptas. Pois sempre haverá gente para ser atendida, encaminhada, socorrida, amparada... Então, para você que assim pensa, o Centro Espírita jamais poderá estar de “portas fechadas”, não poderá “suspender” qualquer atividade e não “concederá” férias aos seus trabalhadores. Certo? Sim, certo, se o enquadre da questão for esse. Não há como adotar princípios ou respostas diversas. 

Mas se você encarar sua participação no centro como responsabilidade (e, não, trabalho) você passará a entender, aceitar e prever que poderão haver “hiatos”, uma vez que ninguém é obrigado (como se estivesse preso, algemado) a participar das atividades, “o ano todo”. Haverá compromisso seu, individual, de realização de tais ou quais atividades, espíritas, de acordo com sua capacidade e interesse, mas você não é e nunca será insubstituível. 

O que ocorre, então, quando sua família – que pode ser, mas pode não ser espírita – deseja que, num dado mês em que você tem “férias”, profissionalmente, também as tenha no “cenário” espírita? Não é natural? Não é enquadrado dentro das “obrigações” da relação familiar, convivial e dos deveres entre pais e filhos? Pense nisso... 

O primeiro “trabalho”, a primeira “responsabilidade”, os primeiros “deveres” dos espíritas, daqueles que aceitam seus princípios e procuram segui-los em sua trajetória encarnada, é compreender (melhor) e participar de modo satisfatório da vida familiar, com seus entes queridos. Este é o principal e maior trabalho (dever) do espírita: ser melhor para com aqueles que convivem com ele e o conhecem (mais de perto). 

A situação ideal seria a não-interrupção das atividades espíritas, por exemplo, em janeiro – que é o mês em que a maioria das pessoas (ou não?) tiram suas férias profissionais. Entendo que se fizermos uma pesquisa de campo, vamos encontrar esse resultado, sim, ou seja, é no primeiro mês de cada ano que a grande maioria dos trabalhadores está em gozo de férias. Há, até, certas “convenções sociais”, em relação, por exemplo a grandes corporações, a entidades públicas, a entidades do terceiro setor que, em janeiro, em face da relativa diminuição de afazeres, seja ideal para a concessão da folga remunerada a que, pela legislação, todo trabalhador faz jus. 

Assim sendo, poderá haver um grupo de pessoas, no centro, atrelado a estas ou aquelas atividades em que haja a presença de um número mínimo de “trabalhadores”, disso resultando não ser necessário interromper as mesmas. Não sofreria o “trabalho”, a atividade, a casa espírita, solução de continuidade. Ótimo! Resolvido, nesse caso, o “problema”. Há pessoas que não viajam, não passeiam, não vão para seus retiros de campo, praia, montanha, e permanecem em seus endereços e, portanto, podem continuar presentes a cada dia e horário de reunião. 

Mas teremos aquelas atividades em que não haverá “trabalhadores”, pessoas que participam deste trabalho, e não é razoável, fraterno e de boa gestão, impor que as pessoas não faltem, não se ausentem, não tenham férias. Novamente o conceito de “prisão”, de “obrigação inafastável” precisa ser deixado de lado, posto que a participação é voluntária, é decisão pessoal, é da vontade de cada um, embora envolta em elementos, como já pontuado, de responsabilidade e bom exercício. 

O “Espiritismo Brasileiro” e seu modus operandi bem característico, precisa deixar de querer “disciplinar” tudo. Precisa parar de ser comportar como uma corporação militar, em que a hierarquia é regra e que os detentores do poder (ainda que pequeno e sazonal, deseja-se) não oprimam, obriguem e exijam questões que não fazem parte do “espírito” da Doutrina dos Espíritos, sem redundância. 

Em nossa casa, por exemplo, as atividades educativas são suspensas, não só em janeiro, como em fevereiro, até o “período” consagrado na cultura e no calendário tupiniquins como “carnaval”, os festejos de Momo. Após esta data, tudo volta ao normal. Em relação às atividades mediúnicas, que ocorrem em um dia por semana, específico, a coordenação do trabalho consulta os participantes, médiuns, se todos estarão disponíveis neste período, para a continuidade dos trabalhos de estudo, evocação e atendimento espiritual. Havendo dois ou mais interessados, as atividades prosseguem, entre esses, e com uma readaptação em relação ao próprio desempenho desse mister, tendo em vista que serão menos participantes, o que influirá nos resultados. 

Em tudo e por tudo, o grande elemento se chama DIÁLOGO. E fraterno. Com clareza, com transparência, com espírito de equipe e visando, claro, os melhores resultados. Não é demais dizer que os fundamentos espíritas nos direcionam, também, preferencialmente, à SATISFAÇÃO de todos os envolvidos. Se os Bons Espíritos comparecem a trabalhos éticos, bem estruturados e com comunhão de pensamentos, eles também estão cientes de que, qualquer pessoa, de má vontade, “obrigada” ou “compelida” a vir, sob pena de alguma punição (e elas existem!), não se reveste dos qualificativos necessários para o SUCESSO das atividades espíritas. 

Então, para você que quer férias, boas férias! E para você que pode e quer continuar “trabalhando”, bom desempenho! E que todos estejam felizes, contribuindo para o esclarecimento espírita. 

É o nosso mais sincero desejo! 






Anexo 

Mensagem ditada por Santo Agostinho, na SPEE, ao médium Sr. E. Vezy, por ocasião da entrada de férias dos seus membros, em 1º de agosto de 1862, transcrita na Revue Spirite, Setembro, 1862. 



(Sociedade espírita de Paris, 1º de Agosto de 1862 - Médium: Sr. E. Vezy) 



Ides, pois, separar-vos por algum tempo, mas os bons Espíritos estarão sempre com os que lhes pedirem auxílio e apoio. 


Se cada um de vós deixa a mesa do mestre, não é apenas para exercício ou repouso, mas ainda para servir, onde quer que estiverdes, à grande causa humanitária, sob cuja bandeira viestes procurar abrigo. 


Bem compreendeis que para o espírita fervoroso não há horas designadas para o estudo. Toda a sua vida não é mais que uma hora, e ainda demasiado curta para o trabalho a que se dedica: o desenvolvimento intelectual das raças humanas!... 


Os galhos não se destacam do tronco porque deste se afastam. Ao contrário, dão lugar a novos impulsos que os unem e os solidarizam. 


Aproveitai estas férias que vão espalhar-vos, para vos tornardes ainda mais fervorosos, a exemplo dos apóstolos do Cristo. Saí deste cenáculo, fortes e corajosos. Que vossa fé e as vossas boas obras reúnam em torno de vós milhares de crentes, que abençoarão a luz que espalhareis em vosso redor. 


Coragem! Coragem! No dia do encontro, quando a auriflama do Espiritismo vos chamar ao combate e se desdobrar sobre vossas cabeças, que cada um tenha em volta de si os adeptos que houver formado sob sua bandeira, e os bons Espíritos dirão o seu número e o levarão a Deus! 

Não durmais, pois, espíritas, à hora da sesta. Velai e orai! Eu já vos disse, e outras vozes vo-lo repetirão: Soa o relógio dos séculos e uma vibração retine. Ela chama os que se acham na noite, e infelizes serão os que não a quiserem escutar! 


Ó espíritas! Ide, despertai os adormecidos e dizei-lhes que vão ser surpreendidos pelas vagas do mar que sobe em rugidos surdos e terríveis. Ide dizer lhes que escolham um lugar mais iluminado e mais sólido, porque eis que os astros declinam e a Natureza inteira se move, treme e se agita!... 


Mas, após as trevas, eis a luz, e aqueles que não tiverem querido ver e ouvir imigrarão naquela hora para mundos inferiores, a fim de expiar e esperar longamente, mui longamente, os novos astros que devem elevar-se e esclarecê-los. E o tempo lhes parecerá a eternidade, pois não lobrigarão o término de suas penas, até o dia em que começarem a crer e compreender. 


Espíritas, não mais vos chamarei crianças, mas homens, homens valentes e corajosos! Soldados da nova fé, combatei valentemente. Armai o braço com a lança da caridade e cobri o corpo com o escudo do amor. Entrai na liça! Alerta! Alerta! Calcai aos pés o erro e a mentira e estendei a mão aos que vos perguntarem: “Onde está a luz?” 


Dizei-lhes que os que marcham guiados pela estrela do Espiritismo não são pusilânimes; que se não deslumbrem com miragens e não aceitem como leis senão aquilo que ordena a razão fria e sã; que a caridade é a sua divisa e que não se despojem por seus irmãos senão em nome da solidariedade universal e nunca para ganharem um paraíso, que sabem muito bem que não podem possuir senão quando tiverem expiado o bastante!... Que conheçam Deus e que, antes de tudo, saibam que ele é imutável em sua justiça, e que, consequentemente, não pode perdoar uma vida de faltas acumuladas, por um segundo de arrependimento, como não pode punir uma hora de sacrilégio, por uma eternidade de suplício!... 


Sim, espíritas, contai os anos de arrependimento pelo número das estrelas, mas sabei que a idade de ouro virá para aquele que tiver sabido contá-las!... 


Ide, pois, trabalhadores e soldados, e que cada um volte com a pedra ou o seixo que deve auxiliar na construção do novo edifício. Eu vos digo, em verdade, que desta vez não mais tereis que temer a confusão, mesmo querendo elevar ao Céu a torre que o coroará. Ao contrário, Deus estenderá a sua mão no vosso caminho, a fim de vos abrigar das tempestades. 


Eis a segunda hora do dia. Eis os servidores que vêm de novo, da parte do Mestre, procurar trabalhadores. Vós que estais desocupados, vinde, e não espereis a última hora!... 


SANTO AGOSTINHO .






Marcelo Henrique,49, é professor de direito, advogado, ex diretor da Federação Espírita de Santa Catarina, é pesquisador do espiritismo, palestrante, seguidor da base doutrinária de Allan Kardec, e propagador da obra de J.Herculano Pires no Brasil.
Colaborador deste blog nos envia esta reflexão


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