Bruna cuidava transitoriamente de Júlia, bebê de um ano com graves problemas neurológicos que lhe impunham extrema debilidade física e mental. A menina viera ter em suas mãos obedecendo àquelas circunstâncias marcantes, inspiradas em insondáveis desígnios divinos...
– Dessas coisas – dizia – que só o Espiritismo explica.
Casada há vinte e cinco anos, tivera apenas um filho, Dácio, de vinte e dois. Nunca cogitara de adotar uma criança. No entanto, desde que a menina fora abandonada na creche espírita onde trabalhava como voluntária, tomara-se de amores por ela.
Não se tratava de nenhuma euforia passageira, o misterioso encanto de cuidar de um bebê, mas algo mais profundo, uma secreta intuição de que era seu pai quem ali estava, de retorno às experiências humanas, sofrendo o resultado de desastroso suicídio.
Alceu, o marido, compartilhava de seus sentimentos e concordava que deviam providenciar a adoção. Mas havia o filho. Dácio não desdenhava Júlia e até lhe dispensava alguma atenção. Alma sensível, compadecia-se de sua situação. Mas Bruna o conhecia suficientemente para saber que haveria alguma resistência de sua parte. Decidiu falar-lhe. Poderia dispensar a anuência do filho, porém entendia que semelhante atitude acarretaria problemas. O ideal seria uma identidade de propósitos entre os membros do grupo familiar. Quando surgiu a oportunidade, envolveu-o, carinhosa, num abraço:
– Filhinho, vamos ter uma conversa.
– Lá vem complicação para o meu lado...
– Pelo contrário, acho que é uma descomplicação.
– O que vai sobrar para mim?
– Uma irmã.
– Não me diga que ficou grávida!...
– É a Júlia. Pretendemos adotá-la, se você concordar.
Dácio não gostou da proposta. Inspirado no velho egoísmo humano, não aceitava dividir o afeto de seus pais com uma estranha.
– Mas mamãe, trata-se de uma criança muito doente. Pense no trabalho que vai dar...
– Não se preocupe. Eu e seu pai cuidaremos dela.
– Por que falou em descomplicação, se vai assumir um grande problema?
– Você sabe que a prática do Bem é a melhor forma de superarmos nossos comprometimentos do passado.
– – Sim, mas isso não significa que deva adotar Júlia. Não temos nenhum compromisso com ela.
– Há algo que nunca comentei com você. Creio que Júlia é seu avô de retorno à vida física, colhendo as consequências do suicídio. Temos o dever de ajudá-lo.
– Ora mamãe, isso é apenas uma hipótese. Sempre preocupada com a situação de vovô, qualquer criança deficiente que venha às suas mãos parecer-lhe-á que é ele a pedir-lhe ajuda. Além do mais você e o papai não são mais jovens. Trata-se de um encargo pesado e difícil.
– Acha, então, que devemos providenciar a internação de Júlia em um orfanato?
– É o mais sensato.
– Se é essa a sua vontade, assim será feito. Não quero que haja desentendimentos entre nós. Seu bem-estar é muito importante para mim, meu filho. Antes, porém, gostaria de consultar o “Evangelho”, como sempre fazemos quando buscamos a inspiração do Alto.
– Tudo bem, mamãe.
Bruna entregou ao rapaz um exemplar de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec e, após breve oração em que solicitava a inspiração dos bons Espíritos, recomendou ao filho que abrisse o livro ao acaso.
Isto feito, Dácio deparou-se, surpreso, com o título da mensagem: “Os órfãos”, assinada por “Um Espírito Familiar”, recebida em Paris, em 1860. E leu:
“encarnação, caso Meus irmãos, amai os órfãos. Se soubésseis quanto é triste ser só e abandonado, sobretudo na infância! Deus permite que haja órfãos para que lhes sirvamos de pais. Que divina caridade amparar uma pobre criaturinha abandonada, evitar que sofra fome e frio, dirigir-lhe a alma, a fim de que não desgarre para o vício! Agrada a Deus quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua lei. Ponderai, também, que muitas vezes a criança que socorreis vos foi cara noutra em que, se pudésseis lembrar-vos, já não estaríeis praticando a caridade, mas cumprindo um dever...”
Não foi possível prosseguir. Incontida emoção tomara-lhe a alma sensível, obedecendo a doce envolvimento de benfeitores desencarnados. Olhos enevoados de pranto, voz embargada, tomou as mãos de sua mãe, dizendo-lhe:
– Está bem, mamãe. A mensagem é muito clara. Não há o que contestar. Vamos cuidar do vovô.
Nos lances mais significativos da existência, relacionados com a vida familiar, social e profissional, há sempre a presença de amigos espirituais que nos ajudam a decidir da melhor forma, em favor de nossa paz.
Para que possam fazê-lo com proveito é imprescindível que criemos as condições necessárias, dispondo-nos a alguns momentos de meditação e prece e à leitura de uma página edificante.
“O Evangelho Segundo o Espiritismo” tem sido um canal precioso usado pelos benfeitores desencarnados em favor daqueles que procuram inspiração em suas páginas, predispondo-os à iniciativa mais acertada no cumprimento de seus deveres.
Se há sombras de dúvidas em nosso caminho, basta olhar para o alto e seremos orientados pelas luzes do Céu.
Richard Simonetti, 81 anos, escritor, espírita, palestrante, um dos maiores divulgadores da doutrina espírita pelo Brasil, recebe e-mails no richardsimonetti@uol.com.br, também tem sua página no FACEBOOK, Richard Simonetti, escreve neste blog semanalmente, e conta suas experiências, e inspirações ao longo de mais de 65 anos dentro do espiritismo.
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