A teoria da “evolução das espécies” de Charles Darwin (1805-1882)
provocou um dos maiores choques culturais da humanidade e suas
conseqüências ainda estão longe de se esgotarem. Além dos aspectos
biológicos com que foi inicialmente exposta pelo seu criador podemos
percebê-la em diversos outros campos onde se manifesta a vida. Não seria
exagero questionarmos se a evolução poderia ser reconhecida na “gênese
das idéias”, capacidade que dá ao homem de hoje a sua supremacia na
natureza. Nesse caso, poderíamos questionar se a “evolução das idéias”
ocorreu dentro de determinados princípios e se teria sofrido uma seleção
adaptativa como a que ocorreu na diferenciação anatômica, fisiológica e
comportamental das espécies.
Quando o famoso psicólogo suíço, Jean
Piaget, estudou a inteligência, ele nos revelou as fases que acompanham
seu desenvolvimento na criança. Sabe-se que um chimpanzé adulto não
ultrapassa a etapa sensório-motora que corresponde a uma criança de três
anos, mesmo assim, temos que reconhecer que o seu repertório
comportamental é muito vasto, nos permitindo conjeturar que eles tenham
“idéias” com uma gama muito variada de pensamentos.
Podemos
reconhecer, facilmente, as fases e os diferentes “níveis hierárquicos”
na construção das idéias que nos dias de hoje atestam nossa
racionalidade. Toda “hierarquia” pressupõe níveis de maior ou menor
organização e possibilita a divisão em categorias que variam na sua
complexidade. Convém reconhecer as “idéias” como produtos de desejos e
intenções construídas por pensamentos. A complexidade, maior ou menor
que se revela nas idéias, é que nos permite ver nelas uma manifesta
hierarquia.
Nossa sugestão é propor uma leitura por extenso do
percurso que o “princípio inteligente” fez, animando todos os seres
vivos, desde suas expressões mais primitivas até seu mais alto nível na
espécie humana. Poderíamos ver aqui, mesmo que numa identificação
arbritária, as diversas fases que percorreram os seres vivos para compor
todo seu patrimônio ideatório. A idéia de sobrevivência, por exemplo,
deve ter percorrido toda esta trajetória, e quase tudo que existe no
nosso corpo pode ser visto como recursos que desenvolvemos para garantir
esta sobrevivência. O altruísmo, que apareceu mais tarde, iniciou-se
como estratégia para garantir a sobrevivência. O que antes era de
interesse individual, passou, depois, a ser de interesse grupal. Convém
ressaltar que os comportamentos tidos como altruístas são observado em
uma ampla gama de animais, incluindo insetos, aracnídeos e vários
vertebrados. O mais importante, ainda, é que sob o panorama atual da
teoria evolucionista, a seleção natural age somente no nível do
indivíduo e não do grupo. Isso nos leva a uma re-interpretação do
“altruísmo”, que é visto hoje como um comportamento que oferece
vantagens a parentes, pois esses contêm genes em comum. Em última
instância o altruísmo, pelo resultado que pretende, pode ser visto como
uma forma de nepotismo genético.
Pode parecer um contra-senso
falarmos de “idéias”, assim como, causaria desconfiança, apontarmos
qualquer expressão de atividade psíquica nas formas mais “primitivas”
(no sentido de mais antigas) de vida. Não podemos negar, porém, que a
ligação biológica entre esses seres e nós, exige, de alguma forma, que
tudo que se denomina para os humanos de “psiquismo” (como sinônimo de
atividade mental), tem um vínculo, uma procedência, uma preexistência,
uma relação direta com o comportamento destes seres. É a identificação
deste percurso contínuo da atividade “mental” que queremos acompanhar. É
claro que pode nos faltar terminologia e conhecimento para
explicitarmos com mais propriedade o que “pensam” estes seres
“primitivos”, mas não nos é permitido deixar de identificar naquilo que
eles revelam em termos de “respostas químicas”, de “reações reflexas” e
de “comportamentos instintivos”, com tudo o que nós produzimos no
conjunto de atitudes complexas que chamamos de humanas.
É bom
lembrarmos que em termos fisiológicos, a ação que produz um determinado
comportamento, é resultante de um pensamento que dirige esta ação. Isto é
visível quando corro para me proteger da chuva. O mesmo fenômeno é
notado no chimpanzé que corre de medo de uma cobra. Em ambos os casos
ocorrem comportamentos de fuga com um conteúdo mental. No caso do
chimpanzé, costuma-se rotulá-lo de comportamento instintivo, como se
isso fosse possível de acontecer sem a construção de um repertório
mental, constituído de pensamentos de medo, diante de um perigo
eminente. Sua distinção em relação ao pensamento humano pode revelar
quantidades e qualidades diferentes, mas não podemos excluir que existam
pensamentos e suas idéias correspondentes, tanto para o homem como para
o chimpanzé.
A construção da mente
A definição de mente e sua interação com o cérebro são dilemas ainda
não resolvidos pela Ciência. De qualquer forma, o homem compreende sua
mente através das idéias que ela expressa. Para René Descartes
(1596-165), nós já nascemos com um conteúdo de idéias inatas e Gottfried
W.Leibniz (1646-1716) sugere a existência de mônadas na estruturação da
mente. Para outros o conteúdo mental é produzido pelos estímulos que
atravessam os nossos sentidos.
A discussão filosófica interpreta as
idéias como sendo todo nosso conteúdo mental. Elas podem ser expressas
em diversas formas de linguagem, seja num texto falado ou escrito ou
numa composição artística qualquer. Em todas suas manifestações, o
pensamento será sempre o veículo que expressa estas idéias.
Não
escapa do raciocínio de qualquer um de nós que as idéias podem ter graus
de maior ou menor complexidade. John Locke (1632-1704), por exemplo,
considera que as idéias podem ser simples ou complexas e elas seriam
resultado das nossas sensações ou das nossas reflexões.
David Hume
(1711-1776) diz que o pensar é pensar por meio de imagens, é imaginar e
que toda experiência, seja na sensação ou na imaginação, é chamada de
percepção. Para Hume, as percepções são constituídas de idéias e
impressões. As impressões podem se originar da experiência sensorial ou
de atividades como a memória.Diz ainda Hume, que a impressão pode não
ter a mesma nitidez das idéias produzidas pela experiência sensorial.
Ela precede sempre as idéias produzidas pelas sensações e, o que não
pode ser imaginado não pode ser experimentado.
Definindo a mente,
Hume a considera uma espécie de teatro, onde várias percepções fazem a
sua apresentação sucessivamente.Diz Hume que não temos a menor noção do
lugar onde essas cenas são representadas, nem dos materiais que as
compõem. Nossa mente seria apenas uma sucessão de percepções. A
humanidade seria um acervo ou uma coleção de diferentes percepções que
se sucedem umas às outras, numa rapidez inconcebível e se acham num
estado de perpétuo fluxo ou movimento. A noção de Eu, para Hume é
impossível. É um disfarce para confundir uma sucessão de idéias, com a
idéia de identidade que formamos de algo que permanece igual durante um
período de tempo.
A idéia de que a mente interfere na percepção das
coisas não é nova. Baruch Spinoza (1632-1677), considerava que “está na
natureza da mente perceber as coisas sob um certo ponto de vista
atemporal”. Para Leibniz, é a disposição das mônadas, cada qual com uma
disposição diferente, que dá a aparência à realidade. Cada objeto
consiste de uma colônia de mônadas e o corpo humano tem uma mônada
dominante, privilegiada, que mais especificamente se denomina “alma
humana”.
O filósofo inglês, Jonh Locke (1632-1704), no “Ensaio
sobre o Entendimento humano de 1690”, revive a afirmação de Aristóteles,
considerando a mente como uma folha de papel em branco cujo conteúdo
seria preenchido pela experiência. Locke chama este conteúdo mental, de
idéias, reconhecendo a existência de “idéias de sensação”, que seriam
originadas da observação do mundo exterior através dos nossos sentidos e
as “idéias de reflexão” que surgiriam quando a mente observa a si
mesmo, é quando a mente analisa por si mesmo o seu conteúdo. Dizia
Locke, que tudo o que nós conhecemos são idéias, e estas, por sua vez,
retratam ou representam o mundo.
George Berkeley (1685-1753),
considerava que o existir de alguma coisa é o mesmo que ser percebido.
Isso significa dizer que os objetos que se percebe estão na própria
mente. Nossa percepção visual, por exemplo, não são de coisas externas,
mas simplesmente idéias que estão na mente. No seu “Princípio do
Conhecimento Humano” de 1710, Berkeley, especifica sua fórmula básica de
que “ser é ser percebido”. O que na verdade conhecemos e comentamos
são, conteúdos mentais. Isso fica claro, por exemplo, quando ouvimos
alguém. O que entendemos é o “conteúdo mental” do que ele diz, mais do
que uma série de sons verbais isolados uns dos outros e depois
encadeados como as contas de um colar.
Georg Hegel (1770-1831)
partia da história para construir seus princípios da dialética. Seu
método se aplicava não só como um instrumento da teoria do conhecimento,
mas diretamente como uma descrição do mundo. Todo passo dialético
percorre três etapas. A uma declaração inicial se opõe uma contra
declaração e, finalmente, as duas se combinam numa espécie de acordo.
Penso eu que o oxigênio é vital para nossa sobrevivência, mas, num
incêndio, o oxigênio pode agravar o fogo e nos comprometer a vida.
Concluímos que conforme as circunstâncias, o oxigênio pode ser
indispensável ou perigoso para nossas vidas. No discurso inicial,
segundo a dialética de Hegel, podem se opor proposições contraditórias,
mas a conclusão deve exigir um arranjo composto. A contradição pode
existir no discurso inicial, mas no mundo cotidiano dos fatos não existe
a contradição.
Hegel foi autor do “Fenomenologia do Espírito”
publicado em 1806. Ele mostra possuir considerável percepção da mente
humana. Na psicologia do desenvolvimento intelectual, a dialética é, até
certo ponto, um método perspicaz de observação e aprendizado.
Percebe-se que com freqüência a mente progride segundo o padrão
dialético seguindo a seqüência da tese, da antítese e a conclusão da
síntese. A Filosofia para Hegel é definida como o estudo da sua própria
história. Foi a explicação detalhada dos acontecimentos que fez Hegel
publicar a “Filosofia da História” de onde retirou sua dialética.
Creio eu que os acontecimentos e o significado de cada evento no
decorrer do tempo, pode nos fazer compreender o sentido das coisas.
Nesse aspecto a evolução da mente pode ser revelada numa abordagem
dialética.
A hierarquia das idéias
A estrutura
anátomo-fisiológica do cérebro humano passou por todo o processo
evolutivo a que se submeteram os organismos das várias espécies que a
natureza produziu. Não é de estanhar que possamos surpreender no passado
as origens da complexidade da mente humana e as idéias que a permite se
expressar.
Por simplificação arbitrária, podemos fazer uma leitura
didática das idéias considerando os níveis de suas complexidades. Seria
uma proposta de se ver uma “hierarquia” na construção e evolução das
idéias, como se estivéssemos identificando os programas mais simples que
serviram de base para construir os programas mais sofisticados que
organizam as nossas mente.
Analisamos seis fases:
1 - Fase química ou celular. Bactérias.
Os primeiros organismos vivos iniciaram uma troca de informações
químicas com o meio exterior. É a fase onde se aprimora o contato que
propicia a aproximação ou a fuga, mediadas exclusivamente por reações
químicas. Um animal constituído de uma única célula tem capacidade de
detectar nas suas vizinhanças a presença de substâncias nutritivas e de
realizar movimentos em direção a essas substâncias que ele incorpora em
sua estrutura. Uma ameba, constituída por uma única célula, pode reagir,
fugindo de uma picada com uma agulha ou absorver um fragmento químico
que a alimenta. Essa mesma atitude continua a existir numa célula do
nosso estômago ou de uma colônia de fungos.
No corpo humano, existem
250 tipos diferentes de células e é através da linguagem química que
cada uma delas se comunica, entre si e com o meio exterior. Nossa
atividade mental é indispensável para essa orquestração, embora nossa
consciência participe muito pouco dessa atividade, vindo a si dar conta
dela, nas ocasiões em que as doenças rompem a homeostase e a harmonia
dos órgãos.
É extraordinário como o ovário da mulher é capaz de
liberar mensalmente uma célula reprodutora, escolhida entre inúmeras
outras. Não se sabe por qual mecanismo é feita essa escolha, e por mais
simples que possa parecer, em cada mês é um ovário diferente que fornece
o óvulo.
No quadro das redes neurais a complexidade da comunicação
química e elétrica é tão extraordinária que permite aos materialistas
pensarem que é ali que nascem todas as nossas idéias. O perfume de uma
flor que afeta a química das nossas células olfativas é capaz de nos
provocar lembranças há muito tempo sepultadas nas nossas memórias da
adolescência. A atuação de cocaína nos neurônios é tremendamente
devastadora para a personalidade do indivíduo viciado nesta droga. Um
pensamento de cólera pode desencadear a produção de substâncias pelas
nossas glândulas, com efeito, devastador para nosso organismo.
A
hipófise tem mais ou menos o tamanho de uma ervilha e, mesmo assim é
capaz de orquestrar uma dezena de hormônios que regulam glândulas
esparramadas pelo nosso organismo.
2 - Fase reflexa: animais invertebrados.
Após a fase química e no momento em que uma célula reconhece a presença
de outras células vizinhas, construiu-se uma organização que passou a
distribuir tarefas. Foi criado pela “idéia” do grupo celular, um sistema
de estímulo-resposta caracterizado, tipicamente, pela expressão de um
determinado comportamento reativo. Essa reação pode ser tão simples como
um movimento corporal ou uma divisão celular. Outras vezes são
complexas expressando fuga ou aproximação. Uma ameba, constituída por
uma única célula, pode reagir, fugindo de uma picada com uma agulha.
Nesse nível não há condições suficientes para produzir um aprendizado,
mas a programação genética herdada, permite às espécies reproduzirem
respostas repetidas e organizarem os instintos.Uma lesma do mar
(aplísia) não é capaz de aprender a sair de um labirinto, mas reage
diante de uma ameaça, expulsando um jato de tinta que confunde o
predador.
A falta de flexibilidade das idéias nesta fase pode ser
danosa e comprometer a sobrevivência do animal. Uma mariposa confunde a
luz dos postes com a claridade da lua e morre queimada pelo calor da
lâmpada. É curioso notar o quanto essa falta de flexibilidade tem
perturbado a vida de todas as criaturas. As tartarugas recém nascidas,
por exemplo, confundem as luzes da cidade com as estrelas vespertinas, e
morrem esmagadas no asfalto. É notória a competência das mulheres em
lidarem com a flexibilidade das idéias a seu favor, superando com isso, o
mito da inteligência masculina.
O processo fundamental nesta fase
incipiente do “princípio inteligente” é sua interação com o meio. Sua
fisiologia está baseada na lei de “ação e reação” onde para um
determinado efeito existe uma única causa que a observação ou a
experimentação pode revelar. Em termos neurológicos esta fase caminha
para o desenvolvimento do arco reflexo e dos mecanismos automáticos
ligados aos núcleos da base. Estas estruturas estão intimamente ligadas à
sobrevivência. Organizam-se colônias multicelulares e a reprodução é
por divisão celular sem qualquer divisão sexual A partir daqui serão
desenvolvidos objetivos mais sofisticados para aproveitar melhor os
mecanismos de aproximação ou fuga. Uma libélula é capaz de responder a
estímulos químicos de uma parceira sexual situada há quilômetros de
distância.
Diversos órgãos do nosso corpo estão em constante
atividade dirigida por um sistema nervoso totalmente autônomo. Este
sistema funciona sob controle de atividade química de neurotransmissores
que os reflexos nervosos ao nível dessas vísceras liberam. A “hidra dos
aquários” é um dos animais que possui o sistema nervoso mais simples
que conhecemos e convém destacar que com a criação das primeiras redes
neurais, teve início o que podemos chamar de linguagem interna.
3 - Nível das proto-idéias: peixes, répteis, anfíbios e aves.
Têm início os automatismos. Desenvolve-se aqui a organização de
sociedades, formação de agrupamentos e construção de abrigos. Um animal
nessa fase já tem “consciência” da existência do outro. Na constituição
das famílias começam a aparecer “idéias” de proteção dos descendentes e
acúmulo de alimentos para garantir a escassez. Os pais têm compromissos
na alimentação das suas crias. As relações com o meio exterior ficam
mais complexas. Aparecem as noções de esquema corporal vital para o
animal aprender a associar as suas dimensões em relação ao ambiente, ao
tamanho dos seus rivais e o quanto pode estender suas patas para
alcançar as suas presas. Desenvolvem-se a orientação no tempo e no
espaço indispensáveis aos ritmos biológicos circadianos. Aves e peixes
fazem jornadas quilométricas mapeando e depois memorizando as
sinalizações que encontram na trajetória percorrida durante as
migrações. Aparece um verdadeiro aprendizado no qual o conhecimento
adquirido é transmitido de uma geração para outra. Isso pode ser visto
na construção de tocas, de ninhos ou mesmo nos gestos que as aves usam
para voar. Na verdade todas essas atividades não são exclusividade dos
vertebrados, varias espécies de insetos já fazem exatamente a mesma
coisa milhões de anos antes.
4 - Nível integrativo ou associativo: mamíferos “inferiores” e primatas.
Aqui a aquisição de conhecimento se completa com a possibilidade de ser
este conhecimento transmitido às gerações futuras. Varias funções
psíquicas são agregadas para a sua estruturação. Compõe-se, por exemplo,
da fixação da atenção, das respostas emocionais e da memorização. Elas
se caracterizam pela interação com o ambiente e pela formação do
conhecimento.
O animal consegue desenvolver um comportamento
comprovadamente inteligente. O macaco utiliza-se de instrumentos que lhe
facilitam o acesso a uma fruta que os braços se mostram curtos para
alcançar. Comportamentos altruísticos facilitam a sobrevivência de
membros do grupo.
5 - Nível de aquisição da consciência do Eu: humanos
Quando falamos de consciência do Eu, temos a impressão de que esse Eu
parece ser alguém que está sempre conosco, exatamente onde estamos e
dentro de nós. A minha sombra não é o meu Eu, nem o é as imagens que
vejo nas minhas memórias. Ali estão apenas as minhas lembranças.
É
extensa a literatura que descreve as características que diferenciam o
comportamento do homem em relação aos outros animais. Diz-se que o homem
é o único animal que perdoa. Só ele é capaz de sorrir e de dar a vida
para salvar seu filho (pesquisas recentes constatam que insetos,
aracnídeos e outros vertebrados também podem exibir esse comportamento).
O homem é o único animal cujos medos são capazes de criar supertições.
A mente humana incorporou todos processos de linguagem que a evolução
do nosso organismo nos possibilitou acumular. Nossas “idéias” passaram a
dar um significado a cada objeto. Esse significado passou a ser
reconhecido por símbolos. O pensamento começou a se expressar
simbolicamente por palavras construindo uma linguagem e a partir daí a
humanidade construiu sua cultura.
A aquisição da linguagem falada
foi um processo que hoje está tão arraigado em nossa mente, que nos
parece ser impossível mentalizar qualquer idéia sem o uso das palavras.
Todos nós, porém, nos comunicamos, tanto interna como externamente, com
diversas outras formas de linguagem. Nossos medos e nossas crenças,
comumente, não usam palavras para se manifestarem em nós. As expressões
corporais são umas das mais eficientes formas de comunicação que também
não se serve de palavras. Qualquer artista de teatro sabe que nosso
corpo fala pelos gestos. A linguagem corporal é tremendamente mais rica e
eficiente que a linguagem verbal. As palavras nunca conseguem expressar
toda força de uma grande emoção enunciada pelos gestos.
A
consciência dos nossos atos corre em paralelo com uma série de gestos
que podemos realizar inconscientemente. Já discorri sobre o que chamei
de inconsciente neurológico dando exemplos que ilustram esta atividade.
Diversas funções cerebrais estão intimamente ligadas à consciência. É
fácil percebermos que o nosso nível de consciência está ligado ao
esforço que imprimimos à atenção e à qualidade da consciência depende do
material contido nas nossas memórias.
Nessa fase nossa consciência
é limitada pelos recursos que o cérebro pode lhe oferecer. Em raras
situações o desdobramento da consciência pode ser registrado no cérebro e
nessas situações tomamos contato direto com as informações procedentes
de outras dimensões e que ficaram impressas nos circuitos da memória
física.
A espiritualidade é um atributo de nossa personalidade. Ela
se desenvolveu no curso da evolução a partir de idéias primitivas de
temores diante das ameaças que as forças da Natureza parecia nos
ameaçar. Depois aprendemos a estabelecer as trocas com a divindade.
6 - Nível transcendente ou de espiritualização: “místicos” e missionários.
Compreende o período da expansão da consciência. O neurologista está
habituado a analisar os níveis de consciência no seu sentido de maior ou
menor profundidade. Esses níveis variam desde o estado de alerta, a
sonolência, o torpor e o coma, quando então a consciência está abolida
em graus de maior ou menor profundidade. A visão neuropsicológica
moderna nos permite ver as alterações da consciência em expressões de
maior ou menor amplitude. A expansão da consciência nos permite acessar,
voluntária ou involuntariamente, os chamados “estados alterados da
consciência”, com a possibilidade de transitar por informações de outras
dimensões.
No nosso atual estágio evolutivo, o que compreendemos
destes “outros planos da vida”, ainda são “idéias” elaboradas por
construções fragmentárias. Quase sempre sem tradução completa nas
expressões comuns da linguagem humana. Elas podem ser aceitas,
transmitidas, mas não são compreendidas em toda sua extensão. É preciso
ver nelas o subentendido que o aparente não revela. Expressam conceitos
como: Deus, a criação, a eternidade e o infinito. Caracterizam-se por
serem adquiridas como uma “revelação”. Podem ser interpretadas como
sendo uma “vivência psíquica”. Uma das suas características é a sua
generalidade. Grandes místicos do passado conseguiram expressá-las nos
textos dos seus pensamentos memoráveis. Ao recordar algumas destas
idéias podemos perceber a harmonia com que combinam simplicidade com
complexidade: “o tudo está em tudo”, “tudo é movimento”, “o cosmo está
no homem”, “o não visto é o visível próximo”. Aqui se descobre a
complexidade do mundo, a extensão das experiências que nossas mentes já
acumulam. E, tanto efeito como causa, devem ser vistos no plural.
Uma visão psicológica
As idéias têm a propriedade de revelar a atividade mental que estamos
desenvolvendo. Isso não significa que elas sejam sempre expressas na
linguagem falada que estamos habituados a expressar. Um gesto ou a
expressão de um olhar nos mostra que o corpo fala, e às vezes, fala mais
que as palavras.
Penso que o conteúdo da nossa mente não é
preenchido apenas por idéias, conforme afirmam alguns filósofos. O que
torna muito mais complexa as possibilidades de nos expressarmos. Todos
nós sabemos, que o conteúdo do inconsciente, é muito rico de imagens que
as idéias se mantém por muito tempo desordenadas. Conhecemos a
dificuldade em traduzirmos este texto escondido no inconsciente. Muitas
doenças servem de linguagem traumática para expressar o que temos ali
dentro.
À medida que vamos estabelecendo idéias bem definidas,
vamos acumulando um conhecimento que gradativamente constrói a nossa
cultura. Outras idéias são aceitas de modo dogmático estabelecendo as
crenças e criando os mitos. As crenças podem se adquirir a partir de uma
experiência subjetiva, difícil de ser transmitida para os outros.
No diálogo interior que fazemos com a nossa própria consciência estamos
habituados a construir desejos e intenções que podem se revelar no
ambiente que nos cerca através de palavras ou de gestos. Entendo a
consciência como a “propriedade” que nos permite perceber a realidade
interna e externa.
No que se refere ao mundo exterior, é sempre
mais fácil construirmos idéias que descrevam o que percebemos a respeito
dele. É uma tarefa mais leve identificarmos e descrevermos os objetos
situados fora de nós. Quanto ao nosso mundo interior as idéias são
insuficientes para descrevê-lo. Nossas impressões e reflexões são sempre
mais fortes do que os pensamentos que elaboramos sobre elas. Estamos
habituados a traduzir nossos pensamentos em palavras, e as emoções que
nos afetam, podem ser de tal magnitude que nos faltem palavras para
descreve-las. Outras vezes, nossa surpresa é tão grande que nos faltam
idéias para interpretar os fatos que nos abalam.
Acreditamos que
nossa consciência é preenchida de pensamentos e idéias incessantes,
parecendo-nos a todos que é impossível pararmos de pensar. Os místicos,
habituados a se concentrarem em meditações profundas, descrevem a
consciência como um fluxo incessante de energia e não necessariamente de
idéias. Nesse estágio, a consciência se apropria da essência das coisas
e atinge outras realidades.
No processo de aquisição das idéias e
da experiência que a evolução sedimentou, podemos perceber que a mente
humana é herdeira, de todas as formas de conhecimento que cada célula,
cada agrupamento celular e cada organismo de todas as espécies que a
evolução nos permitiu transitar, conduzindo, o “princípio inteligente”. É
perfeitamente possível identificarmos, em expressões do comportamento
humano, toda esta riqueza de idéias que a vida, expressa em tão grande
diversidade biológica, conseguiu fixar em nossa mente.
A atividade
celular em qualquer parte do nosso corpo ainda obedece à mesma química
das células dos primeiros animais que nos antecederam. Os reflexos
primitivos permanecem em total independência na sinfonia dos nossos
órgãos internos. Os instintos e automatismos de uma abelha que constrói
seus favos ou de uma libélula que localiza sua fêmea permanecem vivos no
homem e na mulher que constroem seus sonhos. Quase todos nós já vivemos
a experiência de usar um reflexo de fuga para dar um salto antes que
alguém nos atropele. O instinto de sobrevivência nos faz agasalharmos
para não sermos surpreendidos pelo frio. Muitas vezes caminhamos
automaticamente por ruas que já conhecemos sem precisarmos nos dar conta
dos obstáculos que elas contém. É instintiva a necessidade de correr
quando um animal nos ameaça ou quando o cheiro de fumaça é alertado pelo
grito de que há fogo por perto. Com esses exemplos estamos ressaltando
que a química celular, os reflexos, os automatismos, o comportamentos
instintivos adquiridos nos cenários da vida, permanecem convivendo
conosco em parceria com a consciência, permitindo que através dela, toda
nossa atividade seja comprometida com nossa responsabilidade.
Uma olhada na psicopatologia
A doença mental tem sido focalizada no decorrer dos tempos a partir de
variadas interpretações. Não pretendemos nos deter neste histórico
deixando apenas registrado que, na atualidade, ainda prevalece uma visão
organicista e outra psicodinâmica nos fundamentos da psicopatologia.
Qualquer que seja nossa abordagem permanecerá no palco das manifestações
dos distúrbios mentais uma perturbação no contexto das idéias que cada
indivíduo revela nos seus desvios mentais.
Como nos parece que as
idéias foram construídas a partir de um processo evolutivo acrescentando
níveis de aquisições hierarquizadas, creio que poderíamos dar uma
olhada no discurso das doenças mentais a partir da idéias que revelam o
quadro clínico destas manifestações. Nossa proposta é apenas um ensaio
despretensioso.
No caso do autista, podemos enxergá-lo fixado em um
nível de reação extremamente limitado que não lhe permite interagir
adequadamente com o meio exterior. Sua capacidade de gerar respostas aos
estímulos exteriores está fortemente comprometida. Sua vida se limita a
reflexos simples sem os componentes de associação entre os diversos
módulos de atividade cerebral. No transtorno obsessivo compulsivo as
atitudes estão fixadas em automatismos primários cuja repetição é
impositiva para o paciente.
Na esquizofrenia ocorre uma regressão
violenta na capacidade de construir idéias coerentes com a realidade
tanto do meio externo quanto interno. O paciente tem uma aparência de
constante sensação de hostilidade. Suas capacidades parecem se limitar a
reações de fuga, tal qual um animal onde as “idéias” se limitam à
atividade celular. Os estímulos exteriores não têm competência para
gerar um padrão de resposta integrada.
A Hierarquia das idéias na Formação da Consciência
Diversos fatores contribuíram para que o estudo da consciência
voltasse a despertar interesse da Ciência. Este estímulo se iniciou com a
“Década do Cérebro” e o estudo das funções cerebrais através das
imagens com a Tomografia de Pósitrons e a Ressonância Funcional.
O
neurologista Antônio Damásio e o físico Francis Crick são dois exemplos
atuais de estudiosos que se propuseram a esclarecer o “enigma da
consciência”. Em ambos persiste a visão materialista que reconhece no
cérebro e no arranjo dos seus neurônios a capacidade de produzir a mente
e estabelecer as condições que constrói a consciência. Os elementos
envolvidos são outros, mas é o mesmo conceito de que se serve Thomas
Hobbes (1588-1679), quando publicou o Leviatã em 1651, afirmando que a
realidade interna se resume em movimento e que nossos pensamentos e
nossas paixões são efeitos do movimento da matéria.
No modelo
materialista, utilizado pelas escolas neurológicas da atualidade, temos
de lidar com redes de neurônios e tentar conhecer o mínimo de estrutura
cerebral que é exigida para permitir a determinado animal permanecer
consciente. Esta resposta não é difícil quando estivermos procurando
apenas o que a consciência representa em termos de estarmos alerta, em
contato com o meio exterior. Teremos muito mais dificuldade quando
discutirmos a extensão total da consciência, o significado do Eu, o grau
de apreensão que podemos fazer de uma determinada situação ou mesmo do
ambiente que afeta a nossa consciência. Num sistema organizado e de alta
complexidade como o cérebro, é perfeitamente possível estabelecer os
fundamentos neurofisiológicos para uma expressão limitada da consciência
humana.
Para os que aceitam o paradigma espiritualista, sabemos
que nossa Alma, devido a suas múltiplas existências, tem um conteúdo de
conhecimento muito maior do que o que o cérebro físico possa revelar. É
exatamente esta limitação apresentada pelo cérebro que nos impede de
identificar uma lei abrangente, capaz de apreender toda fenomenologia da
consciência.
Ao invés de se tentar equacionar o “enigma da
consciência” pela estrutura das redes neurais e seus sistemas de
organização, estamos apresentando uma via de acesso à consciência, pela
elaboração e hierarquização das idéias. Ao estabelecermos um fundamento
hierárquico para suas expressões, podemos questionar quais conteúdos e
significados das idéias que seriam compatíveis com o aparecimento da
consciência. Dessa forma, quando aumentar nosso conhecimento sobre os
diversos aspectos da consciência, os fundamentos serão sempre os mesmos,
irão variar apenas o significado das idéias necessárias para explicar
determinada apresentação da consciência. Para estarmos alertas e
perceptivos em relação ao ambiente, precisamos de um determinado padrão
ideatório e para estarmos consciente do Eu, nos é exigido um outro
determinado padrão de idéias. Para a expansão da consciência a outros
planos da vida, são exigidos os padrões transcendentes de idéias. Os
ganhos anatômicos do cérebro foram adquiridos, presumivelmente, pelo
desenvolvimento de uma crescente constelação de idéias que a evolução
estimulou nos desafios da vida.
A importância das idéias se revela
na percepção que temos da realidade, bem como, nas ações que executamos
acreditando serem procedentes de nossa vontade. Ambas, nada mais são que
impressões do imaginário que a evolução nos permitiu construir na
consciência.
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Del Nero, H.S. – O Sítio da Mente – São Paulo – Collegium Cognitio – 1997.
Facure, N.O. – O cérebro e a Mente –Uma conexão espiritual – São Paulo - FE.Editora -2001
Searle, J.R. – A Redescoberta da Mente – São Paulo – Martins Fontes – 1997.
Pinker, S. – Como a Mente Funciona – São Paulo – Companhia da Letras – 1998.
Russel, B – História do Pensamento Ocidental – Rio de Janeiro – Ediouro - 2001.
Luiz, A & Xavier, F.C. – Evolução em dois mundos – Brasília – FEB-10 ed. 1987.
Nubor Orlando Facure, médico, Neurologista, um dos maiores estudiosos da mente humana e do cérebro, ex diretor da Unicamp, atual presidente e médico do Instituto do Cérebro no Brasil em Campinas SP, é espírita, tem 75 anos, amigo pessoal de Chico Xavier, médico da espírita Therezinha de Oliveira, viveu o milagre de Uberaba, é testemunha de inúmeros fatos importantes do espíritismo, da engenharia mente, cérebro e Espírito, no Facebook Nubor Orlando Facure, o médico e espírita recebe e-mails pelo lfacure@uol.com.br amigo deste blog, é colaborador a mais de 2 anos.
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