quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A REENCARNAÇÃO - POR GABRIEL DELLANE

                                                  

A imortalidade - disse Pascal - importa-nos de tal forma, e tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo o senso, para ficar indiferente ao seu conhecimento. A necessidade de perscrutar nosso destino tem sido a preocupação de inumeráveis gerações, pois as grandes revoluções que transformaram as sociedades foram feitas por chefes religiosos. Entretanto, em nossos dias, reina a incerteza na maioria de nossos contemporâneos, a respeito de tão importante assunto, porque a Religião perdeu grande parte de sua autoridade moral e viu diminuir seu poder sugestivo. Com os filósofos espiritualistas, a alma, ávida de verdade, erra, atônita, nos obscuros dédalos de uma metafísica abstrata, muitas vezes contraditória, e por vezes incompreensível.






Na India, a doutrina das vidas sucessivas ou reencarnação é também chamada Palingenesia, de duas palavras gregas - Palin, de novo; gênesis, nascimento (1). O que há de muito notável é que, desde os alvores da Civilização, ela foi formulada na Índia, com uma precisão que o estado intelectual dessa época longínqua não fazia pressagiar. Com efeito, desde a mais alta Antigüidade, os povos da Ásia e da Grécia acreditavam na imortalidade da alma, e mais ainda, muitos procuravam saber se essa alma fora criada no momento do nascimento ou se existia antes. Lembrarei, ligeiramente, as opiniões dos autores que estudaram a questão. A Índia é muito provavelmente o berço intelectual da Humanidade e é interessante que se encontrem nos Vedas e no Bhagavad-Gitã passagens como a que se segue: A alma não nasce nem morre nunca; ela não nasceu outrora nem deve renascer; sem nascimento, sem fim, eterna, antiga, não morre quando se mata o corpo. Como poderia aquele que a sabe impecável, eterna, sem nascimento e sem fim, matar ou fazer matar alguém? Assim como se deixam às vestes gastas para usar vestes novas, também a alma deixa o corpo usado para revestir novos corpos. Eu tive muitos nascimentos e também tu, Arjuna; eu as conheço todas, mas tu não as conheces... Aqui se afirmam, na doutrina védica, a eternidade da alma e sua evolução progressiva pelas reencarnações múltiplas, as quais tem por objeto a destruição de todo o desejo e de todo o pensamento de recompensa pessoal. Com efeito, prossegue ainda o instrutor (é sempre a voz celeste que fala) Chegadas até mim essas grandes almas que atingiram a perfeição suprema, não entram mais nessa vida perecível, morada dos males.
Os mundos voltarão a Brahma, ó Arjuna, mas aquele que me atingiu não deve mais renascer. 






Egito A Idéia de reencarnação nos povos egípcios se perde nos tempos pois era cultuada junto às classes dos iniciados nos mistérios de Isis o individuo era dividido em três parte: 
Ka (corpo astral) - Bá (corpo mental)- Khu (corpo causal) Estes mistérios eram instituições públicas, mantidas pelo Estados; eram centros de vida nacional e religiosa, os quais eram freqüentados por todas as classes sociais. Eram constituídos de vários graus e duravam muitos anos. Os que passavam por todos os graus, homens e mulheres, eram considerados ocultos, pois adquiriam os conhecimentos deste mundo e uma nítida compreensão de seu futuro após a morte e das leis que regem os mundos superiores. Os ensinamentos internos e superiores permaneciam selado para o povo, ainda não suficientemente preparado para aprendê-los. Todavia, praticamente toda população egípcia sabia destes mistérios, de tudo que relacionava com a vida depois da morte e de como se preparar para enfrentá-la corajosamente. A Pérsia e a Grécia Encontra-se no Masdeismo, religião da Pérsia, uma concepção muito elevada, a da redenção final concedida a todas as criaturas, depois de haverem, entretanto, experimentado as provas expiatórias que devem conduzir a alma humana à sua felicidade final. É a condenação de um inferno eterno, que estaria em contradição absoluta com a bondade do Autor de todos os seres. Pitágoras foi o primeiro que introduziu na Grécia a doutrina dos renascimentos da alma, doutrina que havia conhecido em suas viagens ao Egito e à Pérsia. Ele tinha duas doutrinas, uma reservada aos iniciados, que freqüentavam os Mistérios, e outra destinada ao povo; esta última deu nascimento ao erro da metempsicose. Para os iniciados, a ascensão era gradual e progressiva, sem regressão às formas inferiores, enquanto que ao povo, pouco evolvido, ensinava-se que as almas ruins deviam renascer em corpos de animais, como o expõe, nitidamente, seu discípulo Timeu de Locres (2) na seguinte passagem: Pela mesma razão é preciso estabelecer penas passageiras (fundadas na crença) da transformação das almas (ou da metempsicose), de sorte que as almas (dos homens) tímidas passam (depois da morte) para corpos de mulheres, expostas ao desprezo e às injúrias; as almas dos assassinos para os corpos de animais ferozes, a fim de aí receberem punições; as dos impudicos para os porcos e javalis; as dos inconstantes e levianos para os pássaros que voam nos ares; a dos preguiçosos, dos vagabundos, dos ignorantes e dos loucos para a forma de animais aquáticos. É de assinalar que Heródoto, falando, entre os gregos, da doutrina dos egípcios, tivesse pressentido a necessidade da passagem da alma através da fieira animal, atribuindo-lhe, porém, um caráter de penalidade, que confirmou o erro da metempsicose. O Pai da História acreditava, entretanto, que as almas puras podiam evolver em outros astros do Céu. Diz que os hierofantes de Mitra, entre os persas, representavam as transmigrações das almas nos corpos celestes, sob o símbolo misterioso de uma escala ou escada com sete pontas, cada uma de metal diferente, que representavam os sete astros, aos quais eram dedicados os dias da semana, mas dispostos em ordem inversa, conforme relata Celso: Saturno, Vênus, Júpiter, Mercúrio, Marte, a Lua e o Sol. Havia, pois, na Antigüidade grega, dois ensinos, um para a multidão, outro para os homens instruídos, aos quais se revelava a verdade, depois que eles tinham passado pela iniciação, a que chamavam Mistérios. 









Aristófanes e Sófocles denominam os Mistérios de esperanças da morte. Dizia Porfírio: Nossa alma deve ser, no momento da morte, tal como era durante os mistérios, isto é, isenta de paixões, de inveja, de ódio e de cólera. Vê-se qual era a importância moral e civilizadora dos Mistérios. Com efeito, ensinava-se secretamente: 1-A Unidade de Deus; 2-A pluralidade dos mundos e a rotação da Terra, tal como foi afirmada mais tarde por Copérnico e Galileu; 3-A multiplicidade das existências sucessivas da alma. Platão adota a idéia pitagórica da Palingenesia. Ele fundou-a em duas razões principais, expostas no Phedon. A primeira é que, na Natureza, a morte sucede à vida, e, sendo assim, é lógico admitir que a vida sucede à morte, porque nada pode nascer do nada, e se os seres que vemos morrer não devessem mais voltar a Terra, tudo acabaria por se absorver na morte. Em segundo lugar, o grande filósofo baseia-se na reminiscência, porque, segundo ele, aprender é recordar. Ora - declara se nossa alma se lembra de já haver vivido, antes de descer ao corpo, por que não acreditar que, em o deixando, poderão ela animar sucessivamente muito outros? Elevando-se ainda mais, Platão afirma que a alma, desembaraçada de suas imperfeições, aquela que se ligou à divina virtude, torna-se, de alguma sorte, santa, e não vem mais a Terra. Mas, antes de chegar a esse grau de elevação, as almas giram durante mil anos no Hades, e, quando têm de voltar, bebem as águas do Letes, que lhes tiram a lembrança das existências passadas. A Escola Neoplatônica A Escola Neoplatônica de Alexandria ensina a reencarnação, precisando, ainda, as condições, para a alma, dessa evolução progressiva. Plotino, o primeiro de todos, trata muitas vezes de tal questão, no curso de suas Enéadas. É dogma - diz ele - de toda Antigüidade e universalmente ensinado, que, se a alma comete faltas, é condenada a expiá-las, recebendo punições em infernos tenebrosos; depois, é obrigada a passar a outro corpo, para recomeçar suas provas. No livro IX da segunda Eneida, ele afirma ainda mais seu pensamento, na seguinte frase: A providência dos deuses assegura a cada um de nós a sorte que lhe convém, e que é harmônica com seus antecedentes, conforme suas vidas sucessivas. Aí já se vê toda a doutrina moderna sobre a evolução do princípio inteligente, que se eleva gradativamente até o ápice da espiritualidade. Porfírio não crê na metempsicose, ainda mesmo como punição das almas perversas e, segundo ele, a reencarnação só se opera no gênero humano. Não havia, pois, penas eternas para os adeptos de Pitágoras e de Platão. Todas as almas deviam chegar a uma redenção final, por seus próprios esforços. É esta uma doutrina eminentemente moral, pois que incita o homem a libertar-se voluntariamente dos vícios e das más paixões, para aproximar-se progressivamente da fonte de todas as virtudes. Jâmblico assim sintetiza a doutrina das vidas sucessivas: A justiça de Deus não é a justiça dos homens. O homem define a justiça sob o ponto de vista de sua vida atual e de seu estado presente. Deus a define relativamente às nossas existências sucessivas e à universalidade de nossas vidas. Assim, as penas que nos afligem são, muitas vezes, castigos de um pecado de que a alma se tornou culpada em vida anterior. Algumas vezes, Deus nos oculta a razão delas; não devemos, porém, deixar de atribuí-las à sua justiça. Assim, segundo Jâmblico, não há acaso nem fatalidade, mas uma justiça inflexível, que regula a existência de todos os seres e, se alguns se vêem acabrunhados de aflições, não é em virtude de uma decisão arbitrária da divindade, mas conseqüência inelutável das faltas cometidas anteriormente. Ver-se-á, mais tarde, que o Espírito que volta a Terra aceita, por vezes livremente, penosas provas, não já como castigo, mas para chegar mais depressa a um grau superior de sua evolução. Não foi este homem quem pecou nem seus pais, mas é para que as obras de Deus se manifestem nele. (João, 9:2.) A Judéia Entre os hebreus, a idéia das vidas anteriores era geralmente admitida. Elias, diz o apóstolo S. Jaques, não era diferente do que somos; não teve um decreto de predestinação diferente do que possuímos; apenas, sua alma, quando Deus a enviou a Terra, tinha chegado a um grau muito eminente de perfeição, que lhe atraiu, em sua nova vida, graças mais eficazes e mais elevadas. A crença nos renascimentos da alma encontra-se indicada de maneira velada na Bíblia (3), porém muito mais explicitamente nos Evangelhos, como é fácil verificar das passagens que se seguem. Com efeito, os judeus acreditavam que à volta de Elias a Terra devia preceder a do Messias. É esta a razão por que, nos Evangelhos, quando seus discípulos perguntaram a Jesus se Elias voltara, ele lhes respondeu afirmativamente: Elias já veio e não o reconheceram, antes lhe fizeram tudo quanto quiseram. E os discípulos compreenderam, diz o Evangelista, que era de João que ele falava. Outra vez, tendo encontrado em seu caminho um cego de nascença, que mendigava, seus discípulos lhe perguntaram: se foram os pecados que ele cometera ou os de seus pais a causa da cegueira; acreditavam, por conseqüência, que ele podia ter pecado antes de haver nascido. Jesus não estranha semelhante pergunta, e sem os desenganar, como parece que o faria se estivessem em erro, contentou-se em responder-lhes: No Evangelho de S. João, um senador judeu, o fariseu Nicodemos, pede a Jesus explicações sobre o dogma da vida futura. Jesus responde: Em verdade, em verdade vos digo, ninguém verá o reino de Deus, sem nascer de novo. Nicodemos, perturbado por esta resposta, porque a tomou em seu sentido material, indagou: Como pode um homem nascer sendo velho? Pode, porventura, entrar no seio de sua mãe e nascer segunda vez? Jesus respondeu: Em verdade, em verdade vos digo, que se alguém não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus; não vos maravilheis de vos dizer que é necessário nascer de novo; o espírito sopra onde quer e ouvis sua voz, mas não sabeis de onde vem nem para onde vai. - Como pode ser isto? Jesus respondeu: Como? Sois mestres em Israel e ignorais estas coisas?. Esta última observação do Cristo mostra bem que ele se surpreendeu não conhecesse um mestre em Israel a reencarnação, porque era ela ensinada como doutrina secreta aos intelectuais da época. Uma das provas que se pode apresentar é a de que existiam ensinos ocultos ao comum dos homens, e que foram compilados nas diferentes obras que constituem a Cabala. No ensino secreto, reservado aos iniciados, proclamava-se à imortalidade da alma, as vidas sucessivas e a pluralidade dos mundos habitados. Encontram-se estas doutrinas no Zohar (4), redigido por Simão Ben Yochai, provavelmente no ano 121 de nossa era, mas conhecido na Europa somente em fins do século terceiro. Por outra parte, a transmigração das almas, a acreditarmos em S. Jerônimo, foi ensinada por muito tempo como uma verdade esotérica e tradicional, que só devia ser confiada a pequeno número de eleitos. Orígenes admitia a preexistência da alma como uma necessidade lógica, na explicação de certas passagens da Bíblia, sem o que, dizia ele, poder-se-ia acusar Deus de iniqüidade. Essas concepções, posto que repelidas pelos concílios, foram conservadas, mesmo no clero, por espíritos independentes, tal como o Cardeal Nicolas de Cusa, e, entre os filósofos, pelos adeptos das ciências secretas, que transmitiam uns aos outros essas tradições, sob a chancela do sigilo. Os romanos Entre os romanos, que receberam a maior parte dos seus conhecimentos da Grécia, Virgílio exprime claramente a idéia da Palingenesia nestes termos: Todas essas almas, depois de haverem, durante milhares de anos, girado em torno dessa existência (no Elísio ou no Tártaro), são chamadas por Deus, em grandes enxames, para o rio Letes, a fim de que, privadas da lembrança, revejam os lugares superiores e convexos, e comecem a querer voltar ao corpo.. Diz também Ovídio que sua alma, quando for pura, Irá habitar os astros que povoam o firmamento, o que estende a Palingenesia até os outros mundos semeados no espaço. Druidismo Os gauleses, nossos antepassados, praticavam a religião dos druidas, acreditavam na unidade de Deus e nas vidas sucessivas. Diz César (5) Uma crença que eles procuram sempre estabelecer é a de que as almas não perecem e que, depois da morte, passam de um corpo para outro. Ammien Marcellin (6) relata que, em conformidade com a opinião de Pitágoras, eles afirmavam que as almas são Imortais e que devem animar outros corpos. Assim, quando queimavam seus mortos, lançavam na fogueira cartas que dirigiam aos parentes ou amigos dos defuntos, como se estes as devessem receber e ler. Os druidas ensinavam que há três ciclos: 1- o de Ceugant, que só pertence a Deus; 2- o de Gwynfid, ou morada da felicidade; e 3-o de Abred, ou ciclo das viagens, ao qual pertenciam nossa Terra e os outros planetas. A Terra era um lugar de passagem para mundos superiores. 



A idéia de preexistência, e não de metempsicose, é nitidamente formulada pelo bardo Taliésin, quando diz: Fui víbora no lago, cobra mosqueada na montanha; fui estrela, fui sacerdote. Desde que fui pastor, escoou-se muito tempo; dormi em cem mundos, agitei-me em cem círculos. Idade Média Durante todo o período da Idade Média, a doutrina palingenesia ficou velada, porque era severamente proscrita pela Igreja, então todopoderosa; este ensino esteve confirmado nas sociedades secretas ou se transmitiu, oralmente, entre iniciados que se ocupavam com ciências ocultas.




François-Marie Gabriel Delanne (Paris, França, 23 de Março de 1857 - 15 de Fevereiro de 1926) foi um engenheiro francês e um dos primeiros pesquisadores espíritas notórios. Intelectual renomado, sua pesquisa sobre a mediunidade é notória no contexto do problema mente-corpo.

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