segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Mediunidade Por que nos afastamos tanto de Kardec ? - Por Marcelo Henrique






O Espírito é uma realidade! O século 21, em seus primeiros albores, tem consagrado a presença das temáticas de teor espiritual na grande mídia, em seus mais diversos veículos, além de ocupar espaço entre as alternativas de entretenimento (teatro, cinema, novelas, músicas, etc.). Inegável o interesse de milhares de pessoas por saberem mais sobre a realidade "do outro lado da vida", com espaço, inclusive, para a busca por meio das diversas "ferramentas" disponíveis ao homem contemporâneo.
Se pararmos para pensar, a necessidade pela informação de cunho espiritual data de tempos imemoriais. Nestes tantos séculos de caminhada, a Humanidade entrou em contato com um sem-número de filosofias, crenças ou religiões, dispostas a interpretar os chamados "sinais" da transcendência, ainda que limitados, muitas vezes, em função dos atavismos, das idiossincrasias, e dos fundamentalismos.
Estudiosos do comportamento humano e, mais especificamente, das técnicas de comunicação não se cansam de afirmar que os diálogos travados entre os seres - de nosso tempo, ou dos anteriores - quase sempre se destinam ao convencimento do outro, a persuasão e, até, a cooptação - por meio daquilo que se convenciona chamar de doutrinação.
Assim sendo, quase todos os que se enveredam por codificar ou interpretar os "sinais" espirituais, disponíveis através do intercâmbio mediúnico - mesmo que, em muitos casos, não se mencione explicitamente o termo mediunidade, recorrendo a conceitos como dons, revelações, mistérios, milagres, etc. - apõem-lhes traços muito particulares, condicionados à sua visão das coisas, dos fenômenos, do mundo, enfim. Daí, por exemplo, existirem, só em relação ao Cristianismo, um sem-número de facções que mantém entre si certa sintonia (ligação com o Evangelho, a Boa Notícia ou Boa Nova), mas possuem antinomias interpretativas ou diferenças inconciliáveis.




Voltando ao mote inicial deste artigo, o mesmo momento favorável à disseminação das informações espirituais é pródigo para o aparecimento de enxertias, de neologismos e adulterações, comuns em relação ao nível precário de entendimento não só dos encarnados como dos Espíritos que, alegadamente, possam estar transmitindo várias mensagens - muitas das quais levadas ao mercado por meio de editoras espíritas ou não. Herculano Pires, a seu turno, por diversas vezes levantou-se contra diversas tentativas malogradas de alteração dos textos originais de Kardec e sempre se posicionou, independente e fiel à Codificação, contra qualquer "novidade" que as lideranças e os médiuns tentassem sugerir ou implementar no movimento espírita. Não é à toa que o Professor ganhou a alcunha de "síndico do Espiritismo", uma referência ao controle e à supervisão atenta de tudo o que ocorria em sede de Espiritismo.






Qualquer visita a um stand de livros, seja em livraria espírita ou genérica, nos permite identificar um sem-número de títulos classificados como "espíritas", não obstante tratarem de temas que não o sejam verdadeiramente, e que ficariam mais adequadamente denominados como espiritualistas. Em paralelo, há editoras que, percebendo o enorme filão de vendas que os produtos de natureza espiritual têm na atualidade, não têm critérios claros e objetivos na seleção do material que recebem e, muitas vezes, embalados pelo desejo de lançarem outros títulos para aproveitarem os já consumidores, editam novos livros dos autores contratados ou de novos que apareçam.
O título deste nosso ensaio enquadra justamente esse cenário: a falta de cuidado na seleção dos textos mediúnicos e a necessária e pontual correlação destes com o edifício doutrinário espírita. Evidentemente, não há, na Doutrina Espírita, censores ou controladores, que fariam um prévio exame do que foste apresentado, no sentido de posterior divulgação. Por ser uma doutrina aberta, dinâmica, evolutiva, o Espiritismo permite que novos conceitos sejam apresentados e até agregados à estrutura originária, naquilo que atualmente se convencionou chamar de atualização doutrinária. De outro modo, o caráter livre-pensador da filosofia espírita não está sujeito à chancela de pessoas ou instituições, sendo faculdade de cada indivíduo o livre exame de tudo o que chegue às suas mãos, selecionando o que for bom, útil e verdadeiro, conforme critérios pessoais. O estudioso espírita, no entanto, terá um maior embasamento teórico para tal seleção e a verdade, assim considerada, estará mais robusta e planificada.
Como, entretanto, são diversos os níveis de entendimento e valoração, há que se pensar em critérios de aferição, os quais não são "inventados" pelos espíritas da atualidade, nem mesmo por aqueles que se autodenominam "livres-pensadores". Eles estão alinhados nos próprios textos kardequianos, em especial em “O que é o espiritismo”, “O livro dos espíritos” e “O livro dos médiuns”, além de serem repetidos, complementados e detalhados em várias das dissertações contidas na Revista espírita (“RevueSpirite”).


O principal deles, repetido e decantado inúmeras vezes nas páginas deste periódico, é o da Metodologia Científica da Mediunidade, segundo Kardec, que pressupõe, para a aferição de veracidade e pertinência das "novas revelações" (novas informações que forem obtidas através do intercâmbio mediúnico), os seguintes parâmetros: 1) concordância entre as informações recebidas e os princípios doutrinários básicos; 2) recebimento das mesmas por médiuns diferentes, isentos, insuspeitos e idôneos, tanto do ponto de vista moral, quanto em relação à pureza de suas faculdades e da assistência espiritual; 3) coerência das comunicações e do teor da linguagem utilizado pelos Espíritos; 4)  confronto das novas observações com as verdades científicas demonstradas, afastando-se o que não possa ser logicamente justificado; 5) o Consenso Universal dos Ensinos dos Espíritos, ou seja a concordância/concomitância entre os relatos obtidos em diferentes lugares, ao mesmo tempo, por médiuns distintos.




Nosso compromisso diuturno e inafastável deve ser o do resgate da metodologia de Kardec e da progressividade do Espiritismo, evitando que a divulgação de dadas obras e autores, pós-kardecianos, sobretudo sob a formatação de literatura mediúnica, não assuma o papel principal, sem critério de concordância, apondo enxertias e acréscimos indevidos ao conteúdo fundamental espiritista.
Sem tais balizas, corre-se o risco de validar informações inverídicas/inverossímeis quanto cair no ridículo, fazendo afirmações que, muitas vezes, em pouquíssimo tempo, serão desmentidas/desmascaradas em função de novas comunicações espirituais ou do próprio progresso material (científico) da Humanidade.
Kardec, como homem de ciência e pedagogo, cunhou este verdadeiro “certificado de qualidade”, legítima “norma de certificação” para as produções mediúnicas, no sentido da aferição da boa procedência e da utilidade das comunicações mediúnicas, sob o método científico da produção (e análise) mediúnica. Convém não nos afastarmos dele, se não desejamos que o Espiritismo se transforme em qualquer coisa, menos o que Kardec e os Espíritos Superiores desejavam: o caminho interpretativo das distintas situações da vida espiritual (física ou extra-física) e suas conseqüências no sentido do aprimoramento moral de indivíduos e Sociedades.




Cada um é livre para escrever, publicar e divulgar o que bem entenda. Mas adicionar ao conteúdo espírita "verdades" não-demonstradas, não-aferidas ou não-certificadas, é caminhar no sentido inverso da oportuna recomendação do Espírito Erasto (ao próprio Kardec): "É preferível rejeitar nove verdades do que aceitar uma única mentira".





Marcelo Henrique,de Santa Catarina,  é advogado, professor, pesquisador, palestrante e escritor espírita, concede seus conhecimentos e estudos em várias páginas no Facebook, e vídeos, é seguidor da Doutrina Espírita nos conceitos de Allan Kardec, e colabora com este blog.

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