O
Espírito é uma realidade! O século 21, em seus primeiros albores, tem
consagrado a presença das temáticas de teor espiritual na grande mídia, em seus
mais diversos veículos, além de ocupar espaço entre as alternativas de
entretenimento (teatro, cinema, novelas, músicas, etc.). Inegável o interesse
de milhares de pessoas por saberem mais sobre a realidade "do outro lado
da vida", com espaço, inclusive, para a busca por meio das diversas
"ferramentas" disponíveis ao homem contemporâneo.
Se
pararmos para pensar, a necessidade pela informação de cunho espiritual data de
tempos imemoriais. Nestes tantos séculos de caminhada, a Humanidade entrou em
contato com um sem-número de filosofias, crenças ou religiões, dispostas a
interpretar os chamados "sinais" da transcendência, ainda que
limitados, muitas vezes, em função dos atavismos, das idiossincrasias, e dos
fundamentalismos.
Estudiosos
do comportamento humano e, mais especificamente, das técnicas de comunicação
não se cansam de afirmar que os diálogos travados entre os seres - de nosso
tempo, ou dos anteriores - quase sempre se destinam ao convencimento do outro,
a persuasão e, até, a cooptação - por meio daquilo que se convenciona chamar de
doutrinação.
Assim
sendo, quase todos os que se enveredam por codificar ou interpretar os
"sinais" espirituais, disponíveis através do intercâmbio mediúnico -
mesmo que, em muitos casos, não se mencione explicitamente o termo mediunidade,
recorrendo a conceitos como dons, revelações, mistérios, milagres, etc. -
apõem-lhes traços muito particulares, condicionados à sua visão das coisas, dos
fenômenos, do mundo, enfim. Daí, por exemplo, existirem, só em relação ao
Cristianismo, um sem-número de facções que mantém entre si certa sintonia
(ligação com o Evangelho, a Boa Notícia ou Boa Nova), mas possuem antinomias
interpretativas ou diferenças inconciliáveis.
Voltando
ao mote inicial deste artigo, o mesmo momento favorável à disseminação das
informações espirituais é pródigo para o aparecimento de enxertias, de
neologismos e adulterações, comuns em relação ao nível precário de entendimento
não só dos encarnados como dos Espíritos que, alegadamente, possam estar
transmitindo várias mensagens - muitas das quais levadas ao mercado por meio de
editoras espíritas ou não. Herculano Pires, a seu turno, por diversas vezes
levantou-se contra diversas tentativas malogradas de alteração dos textos
originais de Kardec e sempre se posicionou, independente e fiel à Codificação,
contra qualquer "novidade" que as lideranças e os médiuns tentassem
sugerir ou implementar no movimento espírita. Não é à toa que o Professor
ganhou a alcunha de "síndico do Espiritismo", uma referência ao
controle e à supervisão atenta de tudo o que ocorria em sede de Espiritismo.
Qualquer
visita a um stand de livros, seja em livraria espírita ou genérica, nos
permite identificar um sem-número de títulos classificados como
"espíritas", não obstante tratarem de temas que não o sejam
verdadeiramente, e que ficariam mais adequadamente denominados como
espiritualistas. Em paralelo, há editoras que, percebendo o enorme filão de
vendas que os produtos de natureza espiritual têm na atualidade, não têm
critérios claros e objetivos na seleção do material que recebem e, muitas
vezes, embalados pelo desejo de lançarem outros títulos para aproveitarem os já
consumidores, editam novos livros dos autores contratados ou de novos que
apareçam.
O
título deste nosso ensaio enquadra justamente esse cenário: a falta de cuidado
na seleção dos textos mediúnicos e a necessária e pontual correlação destes com
o edifício doutrinário espírita. Evidentemente, não há, na Doutrina Espírita,
censores ou controladores, que fariam um prévio exame do que foste apresentado,
no sentido de posterior divulgação. Por ser uma doutrina aberta, dinâmica,
evolutiva, o Espiritismo permite que novos conceitos sejam apresentados e até
agregados à estrutura originária, naquilo que atualmente se convencionou chamar
de atualização doutrinária. De outro modo, o caráter livre-pensador da
filosofia espírita não está sujeito à chancela de pessoas ou instituições,
sendo faculdade de cada indivíduo o livre exame de tudo o que chegue às suas
mãos, selecionando o que for bom, útil e verdadeiro, conforme critérios pessoais.
O estudioso espírita, no entanto, terá um maior embasamento teórico para tal
seleção e a verdade, assim considerada, estará mais robusta e planificada.
Como,
entretanto, são diversos os níveis de entendimento e valoração, há que se
pensar em critérios de aferição, os quais não são "inventados" pelos
espíritas da atualidade, nem mesmo por aqueles que se autodenominam
"livres-pensadores". Eles estão alinhados nos próprios textos
kardequianos, em especial em “O que é o espiritismo”, “O livro dos espíritos” e
“O livro dos médiuns”, além de serem repetidos, complementados e detalhados em
várias das dissertações contidas na Revista espírita (“RevueSpirite”).
O
principal deles, repetido e decantado inúmeras vezes nas páginas deste
periódico, é o da Metodologia Científica da Mediunidade, segundo Kardec, que
pressupõe, para a aferição de veracidade e pertinência das "novas
revelações" (novas informações que forem obtidas através do intercâmbio
mediúnico), os seguintes parâmetros: 1) concordância entre as informações
recebidas e os princípios doutrinários básicos; 2) recebimento das mesmas por
médiuns diferentes, isentos, insuspeitos e idôneos, tanto do ponto de vista
moral, quanto em relação à pureza de suas faculdades e da assistência
espiritual; 3) coerência das comunicações e do teor da linguagem utilizado
pelos Espíritos; 4) confronto das novas
observações com as verdades científicas demonstradas, afastando-se o que não
possa ser logicamente justificado; 5) o Consenso Universal dos Ensinos dos
Espíritos, ou seja a concordância/concomitância entre os relatos obtidos em
diferentes lugares, ao mesmo tempo, por médiuns distintos.
Nosso
compromisso diuturno e inafastável deve ser o do resgate da metodologia de
Kardec e da progressividade do Espiritismo, evitando que a divulgação de dadas
obras e autores, pós-kardecianos, sobretudo sob a formatação de literatura
mediúnica, não assuma o papel principal, sem critério de concordância, apondo
enxertias e acréscimos indevidos ao conteúdo fundamental espiritista.
Sem tais balizas, corre-se o risco
de validar informações inverídicas/inverossímeis quanto cair no ridículo,
fazendo afirmações que, muitas vezes, em pouquíssimo tempo, serão
desmentidas/desmascaradas em função de novas comunicações espirituais ou do
próprio progresso material (científico) da Humanidade.
Kardec,
como homem de ciência e pedagogo, cunhou este verdadeiro “certificado de
qualidade”, legítima “norma de certificação” para as produções mediúnicas, no
sentido da aferição da boa procedência e da utilidade das comunicações
mediúnicas, sob o método científico da produção (e análise) mediúnica.
Convém não nos afastarmos dele, se não desejamos que o Espiritismo se
transforme em qualquer coisa, menos o que Kardec e os Espíritos Superiores
desejavam: o caminho interpretativo das distintas situações da vida espiritual
(física ou extra-física) e suas conseqüências no sentido do aprimoramento moral
de indivíduos e Sociedades.
Cada um é livre para escrever, publicar e divulgar o que bem
entenda. Mas adicionar ao conteúdo espírita "verdades"
não-demonstradas, não-aferidas ou não-certificadas, é caminhar no sentido
inverso da oportuna recomendação do Espírito Erasto (ao próprio Kardec):
"É preferível rejeitar nove verdades do que aceitar uma única mentira".
Marcelo Henrique,de Santa Catarina, é advogado, professor, pesquisador, palestrante e escritor espírita, concede seus conhecimentos e estudos em várias páginas no Facebook, e vídeos, é seguidor da Doutrina Espírita nos conceitos de Allan Kardec, e colabora com este blog.
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