sábado, 17 de abril de 2021

O QUE PODEMOS APRENDER COM O BUDISMO - POR MARCELO HENRIQUE




O Espiritismo, como bem asseverou o filósofo e professor Herculano Pires, tem uma mundividência, uma concepção da realidade que aproxima as duas dimensões, a física e a espiritual, para entender melhor a dinâmica da existência e da sobrexistência (sobrevivência espiritual). Para Herculano, isto decorre da afirmação legitimamente kardeciana, na Introdução da primeira das trinta e duas obras escritas pelo fundador do Espiritismo, o também professor Rivail-Allan Kardec: a força do Espiritismo não está nos fenômenos, mas em sua FILOSOFIA.

No entanto, a Doutrina dos Espíritos jamais se afirmou, na condução segura e lógico-racional de Kardec, como a ÚNICA alternativa de conhecimento, sabedoria e progresso para a Humanidade. Longe disso. As distintas sociedades, etnias, culturas, nacionalidades e filosofias, de todos os tempos, apresentam recortes da realidade que têm destacada serventia para aqueles que se nutrem das fontes de conhecimento.

Assim é com o Budismo. Religião milenar que atravessa séculos e mantém adeptos e lideranças, espargindo luz e entendimento, não só para aqueles que a ele se convertem, como para os que tomam contato com lições e instruções que são divulgadas por diversas fontes.






No Brasil há uma expoente do Budismo que goza de grande prestígio, escrevendo livros e participando de eventos marcados por palestras e diálogos inter-religiosos. Kardec, se vivo fosse, faria o mesmo. Pode-se ver, nos recortes de sua vasta obra, que o cientista francês sempre manteve canais abertos de conversação e interação com pessoas de ciência, filosofia e religião. A personalidade Zen Budista é Cláudia Dias Baptista de Sousa, mais conhecida como Monja Coen.

Jornalista de formação, atuou como repórter em jornais paulistas mas atendeu ao chamado da Espiritualidade e mudou-se para a Califórnia, onde pôde aprender mais sobre práticas de meditação e, depois, foi para o Japão para, por 12 anos, estudar a filosofia Zen Budista, retornando em 1995 para o Brasil. Tornou-se a primeira mulher e não-japonesa a presidir a Federação das Seitas Budistas do Brasil, sendo a fundadora da Comunidade Zen Budista do Brasil. Possui dois livros com destacado sucesso, “Zen para Distraídos” e “A Monja e o Professor”.






Em suas falas, Coen faz questão de destacar que meditação não é, como se pensa, relaxamento ou bem-estar. Do contrário, simboliza a busca ou procura pela sabedoria. Esta se alcança por vários caminhos, um deles é a meditação. Esta busca pelo “sábio” vai representar, muitas vezes, grandes (e até intransponíveis, a princípio) batalhas. Pois meditando se irá encontrar aquilo que “mora” dentro de nós e, não raro, aquilo que nos trava, que nos impõe limites e barreiras. Será necessário saber atravessar e saber destravar. Neste processo de autoconhecimento será imperioso sair da própria história pessoal, para perceber-se como parte (do Universo). E, assim, ter-se-á a exata noção de que estamos permanentemente conectados com tudo o que faz parte da nossa vida (espiritual).

No Espiritismo, a meditação não aparece explicitamente nas obras de Kardec, enquanto técnica ou prática. Mas os Espíritos Superiores apresentaram, na Revue Spirite, vinte e uma menções à “meditação” ou a “meditações”, sendo, em muitos casos, comentadas pelo próprio Codificador as dissertações mediúnicas. Por exemplo, na edição de outubro de 1868, intitulada justamente “Meditações”, simbolizando o debruçar-se sobre si mesmo, a busca interior de ideias que transcendem à presente existência. Vejamos este trecho: “Há homens que, preocupados com graves reflexões, não sabem, mesmo em vigília, o que se passa em torno deles. Estando o Espírito afastado das partes exteriores do corpo e dos órgãos dos sentidos, concentra-se e não se preocupa senão consigo mesmo e, exteriormente, eles parecem sonhar ou dormir com os olhos abertos. Mas quem poderá negar que hajam guardado plenamente o sentimento de sua existência, durante esses momentos de profunda meditação, embora eles então não vejam com os seus olhos e não escutem com os seus ouvidos? Uma outra prova da continuação incessante do sentimento de nossa existência e de nossa identidade é o poder que possui o homem de despertar por si mesmo numa hora por ele prefixada”.

Aos que enveredam por práticas de meditação, experimentando técnicas que o Budismo ou outras filosofias ensinam ou praticam, é consabido que a respiração exerce um papel muito importante. O retorno à respiração “normal”, calma, natural influi decisivamente no estado emocional do ser e, consequentemente, as percepções sensórias e espirituais se alteram significativamente.

A dinâmica cada vez mais célere da vida atual, em que temos de atender inúmeros compromissos e parece, sempre, que estamos “perdendo” alguma coisa, é um óbice para a concentração nas essências e relevâncias, que, ao contrário do que muitos pensam, não estão em grandes e detalhados processos ou projetos, mas nas mínimas e mais simples tarefas da existência, muitas das quais são feitas mecânica ou automaticamente por nós, sem senti-las. O aperfeiçoamento da concentração-meditação tem reflexos direitos no bem-estar.





Pontos fundamentais nessa busca pelo Eu-Interior são a Ética, a Felicidade e os Propósitos de Vida. Estes três elementos estão associados, e a Filosofia dos Espíritos nos aponta para eles. A satisfação pessoal em fazer com excelência as coisas que se faz nos cenários existenciais, movido por princípios éticos só pode ter como resultado a felicidade – ainda que não plena, em face da natureza do orbe em que vivemos (provas e expiações) e, marcantemente, por nossas próprio nível espiritual, na senda de progresso (Escala Espírita).

Para a Monja Coen, a palavra felicidade tem a mesma origem da palavra fertilidade, que vem de frutífero. Afinal, o que frutifica positivamente, o que envolve e agrada, por elevar o interlocutor, é a semente que germina, após a semeadura. Isto nos remete às palavras de Yeshua, que tem em semente e semeadura um fundamento do seu Evangelho. Frutos saborosos a cem por um.

A felicidade, então, provém da partilha com os outros, percebendo neles suas necessidades. Felicidade no entanto, diz Coen, não é necessidade. No plano físico-material, a fome nos leva ao supermercado para comprar algo que nos sacie, e se completa o ciclo. O vazio da existência se traduz na ideia de que estamos sempre em busca, os ideais se renovam, as perguntas se ampliam, as respostas levam a novas perguntas. O “eu” se renova e não se satisfaz. Permanecemos vivos, imortais, e continuamos a perguntar.







A felicidade só advém da sabedoria, superando a ignorância. Sabedoria liberta o ser humano, porque supera amarras, preconceitos, limites.

Neste conjunto de aprendizados dispersos por distintas filosofias, o “conhece-te a ti mesmo” de Sócrates alinha-se ao “conhecimento da verdade que liberta” de Yeshua e desemboca no conhecimento espiritual, olhando para si mesmo ao final de cada dia (Agostinho), que é a noção espírita da transcendência – de onde viemos, para onde vamos e o que somos, espiritualmente (Kardec).





Por isso é essencial esta ponte que pode ser feita entre o Budismo e o Espiritismo, ou entre as filosofias ocidentais e orientais. O vento sopra. E sopra onde quer. E ele vem beijar a nossa face!


Marcelo Henrique, é espírita, professor, advogado, escritor, palestrante, fundador do grupo ECK Espiritismo nas redes sociais, um dos agrupamentos que mais cresceram ensinando Allan Kardec, pensador brilhante que colabora com este blog.

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