sábado, 18 de setembro de 2021

Ainda sobre colônias, vales e outros cenários hipotéticos - Por Marcelo Henrique

                                 

Imaginar que os Espíritos – que são livres – estejam condicionados a viver em lugares circunscritos ou determinados é negar tanto a SABEDORIA divina quanto a LEI DE LIBERDADE que governa as individualidades.

Em nossas andanças espíritas, volta e meia somos perguntados acerca de cenários hipotéticos, que teriam sido apresentados por Espíritos, em relatos por meio da mediunidade.

Como premissa fundamental, devemos estabelecer que a mediunidade e o exercício mediúnico – com a consequente comunicação dos “mortos” – não é “patrimônio” do Espiritismo, existindo desde que o mundo é mundo. Por consequência, os Espíritos (desencarnados) são livres para se manifestarem sobre suas ideias, assim como os homens (encarnados), em grande parte dos países do planeta, também o são.



Secundariamente, devemos estabelecer como característica essencial dos Espíritos a sua condição progressiva como algo natural e compatível com os esforços individuais. Daí a dizer-se que, ao morrer, ninguém se transforma em sábio ou arauto de “verdades”. Por extensão, os “mortos” vêm falar das coisas que “dominam”, e o grau de conhecimento e sabedoria guarda compatibilidade com o que foram, enquanto encarnados.



Neste sentido, Kardec orienta seguidamente que não devamos nos “maravilhar” diante de certos relatos “extraordinários”, nem, tampouco, valorizarmos de modo excessivo a linguagem “rebuscada” ou “colorida” que eles utilizem. Assim como ele fez em relação a um sem número de mensagens que chegaram às suas mãos, ou aquelas produzidas em reuniões mediúnicas que ele presidiu – e questionou as Inteligências Invisíveis – o CONTEÚDO, isto é, a qualidade das informações deve estar SEMPRE À PROVA.



Por isso, a “eleição” de médiuns como insuspeitos e a de Espíritos (desencarnados) como sábios é, sempre, uma TEMERIDADE. Os médiuns são, TODOS, criaturas falíveis e podem, apesar de sua bondade e moralidade, serem ENGANADOS ou CONVENCIDOS a tomarem erros como certezas, impropriedades como realidades ou, ainda, serem sugestionados a acatar aquilo que criaturas igualmente imperfeitas estejam lhe apresentado como verossímeis.



Voltando ao tema que ilustra o título (colônias, vales e outros cenários hipotéticos), contidos em obras tidas como mediúnicas – e devem, mesmo ser, porquanto a profusão do exercício mediúnico é uma característica da própria Humanidade encarnada, no intercâmbio com os seres invisíveis – devemos salientar que antes mesmo da Codificação, há registros de obras (não-espíritas, claro), versando sobre a matéria. Mas é na chamada “mediunidade brasileira”, sobretudo por meio do querido Chico Xavier, que as ilustrações contidas em algumas de suas obras ganharam certa notoriedade e “aceitação”.



Uma “mentira” ou ilusão quando é repetida sucessivamente pode ser considerada como verdade ou realidade, lembremos...



Voltando a Kardec, o Mestre francês foi enfático em orientar que não devêssemos “crer em tudo o que dizem os Espíritos”, mas lhes perscrutar a qualidade, a essência e o conteúdo, comparando os escritos (ou falas, considerando, também, a psicofonia) com a base espírita, sua principiologia e seus fundamentos.



Assim é que, em “O livro dos Espíritos”, na questão 87, o próprio Kardec questionou os Espíritos acerca da existência (ou não) de lugares circunscritos e determinados no espaço. No que recebeu a seguinte resposta, pontual e patente: “Os Espíritos estão por toda a parte”. Estando “por toda a parte” não há lugares pré-delimitados para ninguém, muito menos em caráter punitivo (umbrais, vales e quejandos).



Penso que grande parte das pessoas precisam de um “inferno” pra chamar de seu. Nossa herança cultural-religiosa, ainda gera em grande parte das pessoas uma dependência da salvação, onde benesses espirituais são distribuídas. E, também, há uma tendência muito forte de apresentar o dualismo maniqueísta de céu-inferno, colônia-umbral, purgatório-liberdade, que encampa grande parte dos discursos das igrejas na contemporaneidade. E isto “respinga” fortemente na ambiência espírita, apesar da lucidez de Kardec em rechaçar os conteúdos de caráter impositivo e prescricional das religiões em geral.



Complementarmente, voltemos à Introdução do próprio “O livro dos Espíritos”, mais especificamente no “Resumo da Doutrina dos Espíritos” (Item VI), em que Kardec resume (como o próprio nome diz) os principais ensinamentos dos Espíritos Superiores, em relação a distintas e numerosas temáticas. Vamos ao texto: “Os Espíritos não encarnados ou errantes NÃO OCUPAM nenhuma região DETERMINADA ou CIRCUNSCRITA; estão POR TODA PARTE, NO ESPAÇO e AO NOSSO LADO, vendo-nos e acotovelando-nos sem cessar. É TODA UMA POPULAÇÃO INVISÍVEL QUE SE AGITA EM NOSSO REDOR” (marcações nossas).



O texto acima é de uma clareza INDISCUTÍVEL. É Kardec que está falando, com fundamento em um incontável número de relatos (mediúnicos) acerca da “posição” dos desencanados no contexto da vida espiritual. Quando ele fala “vendo-nos e acotovelando-nos” ele demonstra uma realidade que muitos tendem a desconsiderar e, com isso, os muitos equívocos em relação àquilo que desejam, tais pessoas, seguir como CRENÇAS. A principal conclusão a que podemos chegar é a de que DUAS HUMANIDADES ocupam os mesmos lugares (planetários), com a consequência de que os desencarnados permanecem nos ambientes que lhes são caros, e com os quais mantém relações (os tais “laços de família” que não se extinguem nem se afrouxam, mas se “apertam”, já que a afinidade entre os que aqui estão e os que já se foram da materialidade para a imaterialidade, prossegue e permanece íntegra).



Imaginar que os Espíritos – que são livres – estejam condicionados a viver em lugares circunscritos ou determinados é negar tanto a SABEDORIA divina quanto a LEI DE LIBERDADE que governa as individualidades. Ainda que existam “restrições” (veja-se, por obséquio, a parte final da citada questão 87, de “O livro dos Espíritos”, onde se consagra que “nem todos [os Espíritos] vão a toda parte, porque há regiões interditadas aos menos avançados”, isto não significa que estejam presos, sobretudo em regiões “pantanosas” e “fétidas”, que só podem povoar o imaginário das pessoas crentes e excessivamente dependentes de alegorias e formatações derivadas das concepções religiosas INVENTADAS pelos próprios homens.



Umbrais não existem. Colônias não existem. Ou, melhor, EXISTEM. Mas, tão somente no IMAGINÁRIO das pessoas. Este imaginário pode ser correlacionado aos sonhos, devaneios e desejos que, TODOS, temos a cada dia. Lugares a visitar, condições materiais mais favoráveis, o casamento de um filho, a formatura de outro, uma viagem romântica, um trabalho em condições de satisfação e bons rendimentos, etc. Assim como o ser, em suas andanças, experimentando dificuldades, também imagina estar em lodaçais, em confinamentos, em prisões (mentais).



Libertar-nos destes condicionamentos e entender que não há restrições para a mobilidade dos Espíritos – além das destacadas na parte final do item 87, precitado – é o caminho para o REAL ENTENDIMENTO DO ESPIRITISMO.



Assim, você deve escolher acerca de quais “crenças” ou “verdades” você estará construindo o seu presente e o seu futuro. Lembrando que os “sonhos” e “ideias” que você acalentar, hoje, lhe acompanharão adiante, “do outro lado da vida”, como meras ilusões, ainda que as mesmas possam ser duradouras, mas não eternas, nem permanentes. Até o dia em que você, voluntária e conscientemente, QUISER, delas, SE LIBERTAR...



Você quer?



Marcelo Henrique, advogado, espírita, um dos coordenadores da ECK - Espiritismo com Kardec, grande sucesso nas redes sociais, é escritor, e ensina a doutrina espírita com base na codificação de Allan Kardec, é colaborador deste blog.

domingo, 5 de setembro de 2021

A PRECE - POR ALLAN KARDEC, DE A REVISTA ESPÍRITA 1861


Um dos nossos correspondentes de Lyon nos dirige o seguinte trecho de poesia. Ele entra muito no espírito da Doutrina Espírita para que nos furtemos ao prazer de lhe abrir espaço em nossa Revista.





Que eu não posso, mortais, com meus fracos acentos
Dar-vos ao coração o mais sublime incenso!
Ensinar-vos aqui, no colher desta messe
O que é a prece em si mesma e o que é fazer a prece.
É um impulso de amor, de fluídico ardor
Que se escapa da alma e se eleva ao Senhor.
Sublimada expansão da humilde criatura
Que retorna à sua fonte e eleva a sua natura!
Orar não muda em nada a lei do Pai Eterno
Sempre imutável, mas o coração paterno
Derrama o seu influxo no que o implora
E assim redobra o ardor do fogo que o devora.
É então que ele se sente crescer e elevar
E pelo amor do próximo o peito pulsar.
Mais se expande no amor, mais o sublime Ser
Enche-lhe o coração com os dons do saber.
Desde então, santo anseio de orar pelos mortos,
Sob o peso da dor e pungentes remorsos,
Nos mostra as exigências do seu novo estado,
De a eles dirigir seu fluido suavizado,
Cuja eficácia, bálsamo consolador,
Penetra-lhes no ser como um libertador.
Tudo neles se anima; um raio de esperança
Ajuda-lhes o esforço, à liberdade os lança.
Assim como aos mortais vencidos pelo mal
Que um bálsamo supremo devolve ao normal,
Eles se regeneram pelo impulso oculto
De augusta prece, ardente, e seu divino culto.
Redobremos o ardor; nada se perde enfim;
Preces, preces por eles, preces até o fim;
A prece, sempre a prece, essa estrela divina
Faz-se foco de amor e no final domina.
Oremos pelos mortos, sim, e logo por
Sua vez nos lançarão doce raio de amor.


JOLY

Nestes versos, evidentemente inspirados por um Espírito elevado, o objetivo e os efeitos da prece são definidos com perfeita exatidão. Certamente Deus não derroga suas leis a pedido nosso, pois seria a negação de um de seus atributos, que é a imutabilidade; mas a prece age, principalmente sobre aquele que é seu objeto; é, a princípio, um testemunho de simpatia e de comiseração que se lhe dá e que, por isso mesmo, lhe faz sentir sua pena menos pesada. Em segundo lugar, tem por efeito ativo excitar o Espírito ao arrependimento de suas faltas e inspirar-lhe o desejo de repará-las pela prática do bem. Deus disse: “A cada um segundo as suas obras”. Esta lei, eminentemente justa, põe a sorte em nossas próprias mãos e tem como consequência subordinar a duração da pena à duração da impenitência. Daí se segue que a pena seria eterna, se eterna fosse a impenitência. Assim, se, pela ação moral da prece, provocarmos o arrependimento e a reparação voluntária, por ela mesma abreviaremos o tempo de expiação. Tudo isto está perfeitamente claro nos versos acima. Esta doutrina pode não ser muito ortodoxa aos olhos dos que creem num Deus impiedoso, surdo à voz que implora, e que condena a torturas sem fim suas próprias criaturas por faltas numa vida passageira; mas convir-se-á que ela é a mais lógica e mais conforme à verdadeira justiça e à bondade de Deus. Tudo nos diz, a religião como a razão, que Deus é infinitamente bom. Com o dogma do fogo eterno, é preciso ajuntar que ele é, ao mesmo tempo, infinitamente impiedoso, dois atributos que se destroem reciprocamente, pois um é a negação do outro. Aliás, o número dos partidários da eternidade das penas diminui dia a dia, o que é um fato positivo e incontestável. Em breve estará tão restrito que poderão ser contados, e mesmo que desde hoje a Igreja taxasse de heresia e, consequentemente, rejeitasse de seu seio todos quantos não creem nas penas eternas, entre os católicos haveria mais heréticos do que verdadeiros crentes e seria necessário condenar, ao mesmo tempo, todos os eclesiásticos e teólogos que, como nós, interpretam essas palavras num sentido relativo e não absoluto.