sábado, 21 de dezembro de 2024

CARTAS CONSOLADORAS, UMA ANÁLISE NECESSÁRIA - POR NELSON SANTOS

 

                                            


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“Não pense separadamente nesta e na próxima vida, pois uma dá para a outra a partida.

O tempo é sempre curto demais para quem precisa dele,só que para os amantes ele dura para sempre”.

Rumi

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Apesar da inevitabilidade da morte, o falecimento de um ente querido é uma das vivências mais marcantes do ser humano, aspectos socioculturais e psicológicos convergem no enlutamento. Fenômeno no qual a ausência, guardada a particularidade e a experiência de cada ser, resulta em negação da realidade, tristeza, melancolia, saudades, entorpecimento, descrença, choque, aturdimento, desamparo, enfim, um limbo existencial.


Sejam espiritualistas ou não, a ânsia de compreender e aceitar a ausência, gera expectativas, calcadas, principalmente, na esperança, ainda que distante, de uma vida além da vida e impulsionam a busca de notícias dos entes queridos falecidos e resposta a suas indagações, buscando alívio do sofrimento vivenciado, intenso e significativo. Nesse quesito as mensagens mediúnicas familiares despertam, fascinam e intrigam a humanidade desde a antiguidade.

Kardec, o investigador.


Kardec, em suas pesquisas e investigações sobre a relação inter-existencial, pesquisou e analisou, cientificamente, mensagens de além-túmulo, defrontando-se, certamente, com várias de cunho familiar, por meio de evocações. Isto antes, provavelmente, até mesmo de sistematizar a obra basilar que é “O livro dos Espíritos”.

Nesta obra, de modo questionador, abordou a temática na questão 935:


“Que pensar da opinião das pessoas que consideram as comunicações de além-túmulo como uma profanação?”.

E as Inteligências Esclarecidas lhe responderam:


“Não pode haver profanação quando há recolhimento e quando a evocação é feita com respeito e decoro. O que o prova é que os Espíritos que vos são afeiçoados se manifestam com prazer, sentem-se felizes com a vossa lembrança e por conversarem convosco. Profanação haveria se as evocações fossem feitas com leviandade”.

À resposta dos Espíritos, Kardec, comenta com seu habitual senso crítico:


“A possibilidade de entrar em comunicação com os Espíritos é uma bem doce consolação, que nos proporciona o meio de nos entretermos com os parentes e amigos que deixaram a Terra antes de nós”.

São mensagens que concedem, assim, aos familiares, esclarecimentos e informações acerca da sua condição na erraticidade, no sentido de aliviar a consternação que decorre da súbita separação.


O laboratório permanente.


Kardec, durante o período de 1858 a 1866, publicou na “Revue Spirite”, seu imenso laboratório, 93 (noventa e três) comunicações exemplificando o trânsito de informações dos entes queridos, sempre com análises críticas e ponderadas. Neste escopo, denominou as dissertações como “Palestras familiares de além-túmulo”, como ilustra a contida na “Revue” de Janeiro de 1858, em uma evocação intitulada “Mamãe, aqui estou!”, na qual havia informações que o médium não tinha conhecimento.


Nas mencionadas “palestras familiares”, Kardec sistematicamente analisou as mensagens, sempre eivado de seu habitual bom senso e critério como na “Revue” de novembro de 1860 quando, apesar de apontar que as comunicações seriam uma das mais doces consolações que o Espiritismo poderia proporcionar, ele enfatiza:

“não é preciso nada aceitar sem tê-lo submetido ao controle da razão, e aqui a razão e os fatos nos dizem que essa teoria não poderia ser absoluta”.


As evocações.


Adiante, em “O livro dos Médiuns”, no Item 273, Kardec destaca:


“É também conveniente só com muita prudência fazer evocações na ausência das pessoas que as pedem, e no mais das vezes é mesmo preferível não fazê-las. Porque somente essas pessoas estão aptas a controlar as respostas, a julgar a identidade do Espírito, a provocar os esclarecimentos que as respostas suscitarem e a fazer as perguntas ocasionais a que as circunstâncias podem levar. Além disso, sua presença é um motivo de atração para o Espírito, geralmente pouco disposto a se comunicar com estranhos pelos quais não tem nenhuma simpatia. Em suma: o médium deve evitar tudo o que possa transformá-lo em instrumento de consultas, o que, para muita gente equivale a ledor da sorte”.

Mas não fica, o Professor francês, nisso. Adiante, no Item 275 e sucessivos, do mesmo livro, ele pontua:


“as causas estranhas ligam-se principalmente à natureza do médium, à condição da pessoa que evoca, ao meio em que faz a evocação e, por fim, ao fim que se propõe. Certos médiuns recebem mais facilmente as comunicações de seus Espíritos familiares, que podem ser mais ou menos elevados; outros são aptos a servir de intermediários a todos os Espíritos. Isso depende da simpatia ou da antipatia, da atração ou da repulsão que o Espírito do médium exerce sobre o evocado, que pode tomá-lo por intérprete com satisfação ou com aversão”.

Os desvios mediúnicos.


Kardec para evitar o charlatanismo, as fraudes e as dúvidas contumazes que podem envolver a prática mediúnica e as respectivas mensagens produzidas, também se dedicou, no Item 304 e sucessivos, novamente de “O livro dos Médiuns”, aos cuidados que seriam necessários para identificar possíveis desvios na prática mediúnica, com a participação de médiuns interesseiros e de Espíritos inferiores, em verdadeiro “consórcio” espiritual. Neste sentido ele enfatiza, no Item 323, o imprescindível parâmetro de aferição:


“Em resumo, repetimos, a melhor garantia está na moralidade reconhecida dos médiuns e na ausência de todas as causas de interesse material ou de amor-próprio que pudessem estimular-lhes o exercício das faculdades mediúnicas, porque essas mesmas causas podem levá-los a simular aquelas que não possuem”.


Em um entendimento basilar, a análise do fenômeno psicográfico é o elemento que poderá (ou não) conferir validade e veracidade à comunicação (conteúdo). Elementos acessórios, presentes nas situações de fato, envolvem tanto a credibilidade de quem a emitir/recepcionar, isto é, o Espírito (desencarnado) comunicante e o suposto médium, bem como a credulidade de quem a receber (o interessado, como o familiar do ente que faleceu e que retorna com sua mensagem). Neste caso, ambas as condições enquadram um critério pessoal.


Em outras palavras, qualquer coisa que seja dita servirá para “aquecer” (consolar) os corações que sofrem, independentemente de serem verdadeiras ou não as informações que o médium disponibilizar.

As “Cartas Consoladoras”.

As chamadas “Cartas Consoladoras” prosseguiram no “modo brasilis” do Espiritismo envoltas numa “aura” de muito misticismo, superstição, sobrenatural e credulidade cega, porque, aqui, talvez mais do que em qualquer outra parte do orbe, haja um “caldo cultural” propício, decorrente da miscigenação de etnias e religiões. Tem-se, portanto, neste rincão sul-americano, um “Espiritismo diferente”, muito mais identificado sobre alcunhas como espiritolicismo e espirigelicismo, em função das “misturas” entre conceitos espíritas (e suas deturpações, derivadas da visão pessoal de adeptos e simpatizantes) e práticas, rituais e percepções litúrgicas do catolicismo, do neopentecostalismo e, também, das religiões de matiz africana, como Umbanda e Candomblé.


Em amplo espectro, poderíamos dizer que aqui grassa um “colorido” espiritualismo sui generis, multifacetado, ramificado, permissivo e inclusivo (!?), onde o ponto principal não é a análise racional, lógico-sistemática, à luz da filosofia e da ciência espíritas (lembremos que foram essas as duas estacas sobre as quais o Espiritismo se erige e se sustenta), mas a aceitação tácita do que “provenha” do “Alto”, por meio de “missionários” que trazem afirmações peremptórias (gerais ou pessoais), aceitas sob viés dogmático e sobrenatural.

Mas, nem sempre foi assim…

Chico Xavier.


No chamado meio espírita, tais mensagens foram, por décadas, produzidas pela mediunidade ímpar de Francisco Cândido Xavier e popularizadas de forma marcante no Brasil, apresentadas, depois, em muitos dos livros do escritor-médium. Não resta dúvida, todavia, em relação à produção chicoxavieriana que, além de ser TOTALMENTE INCONSCIENTE, sem qualquer contato do medianeiro com informações dos entes queridos que compareciam às reuniões públicas em Uberaba (MG), apresentou, em sua totalidade, o teor verdadeiro das comunicações, em função dos detalhes e fatos descritos em cada carta, depois confirmadas – sem o excesso de emoção particular das situações que envolvem a espetacularização contemporânea (grandes e luxuosos auditórios, presença de dirigentes e personagens populares, com música ao vivo e o beija-mão característico da idolatria mediúnica).

Chico, por isso, é um capítulo à parte na “História do Espiritismo Brasileiro” e, em relação a essa tipologia de comunicação mediúnica, NÃO PAIRAM DÚVIDAS NEM SUSPEITAS, destacando-se, entre os espíritas em geral e também entre os populares, leigos ou simpatizantes da Doutrina dos Espíritos, o pleno e inconteste reconhecimento público de sua missão (a de informar o que os Espíritos lhe ditavam e a de efetivamente consolar os entes queridos saudosos e desesperados).

O Brasil-espírita.


É, contudo, MUITO DIFERENTE a situação que o Brasil Espírita vivencia atualmente. E já vem de algumas décadas, três ou quatro, infelizmente. Hoje, “qualquer um” é um “consolador”! Forte isso, não? Pois tem de ser... Quando dizemos “qualquer um” é porque, justamente, entre o trigo dos verdadeiros médiuns, que efetivamente realizam intercâmbio com os desencarnados que assinam mensagens dirigidas a públicos restritos (familiares e amigos), tem-se o joio composto por pseudomédiuns, cuja “mediunidade” talvez nem exista, seja uma encenação, uma prestidigitação, uma fraude, além das outras também conhecidas situações no meio espírita em que médiuns, antes autênticos, acabam enveredando por trajetos de honra, orgulho, vaidade, fama e bens materiais e valores financeiros associados à “tarefa”, perdendo, pois, o auxílio de Inteligências Sensatas (guias familiares e Espíritos adiantados), passando a ser “massa de manobra” de Espíritos brincalhões e zombeteiros.

Os nossos tempos são dinâmicos e instantâneos, com uma profusão de mídias sociais, em que se constata a ampla facilidade de obtenção de informações e dados pessoais de quem quer que seja. Muitas pessoas, então, neste segmento “mediúnico”, tem se valido de informações públicas (redes sociais) do “morto” e de seus afins (que lamentam a saudade ou recordam passagens de sua existência, com pesar, luto e carinho), o que intensifica os questionamentos sobre a veracidade das comunicações, ao mesmo tempo em que, em função do alto peso de emotividade dos envolvidos, torna ainda mais penosa, complexa e difícil a tarefa de averiguação dos conteúdos.


Vale destacar, também, que as tais cartas ganham ainda maior vulto, graças aos próprios recursos cibernéticos, porque se popularizam rapidamente em face do apelo que contêm, sendo protagonizadas por meio de distintos personagens – a quem se atribui a condição de “médiuns”, alguns anônimos e outros bem “famosos”.


Critérios de validação.


Por isso se insiste na verificação por terceiros, idôneos e distantes dos personagens partícipes do evento psicográfico (isto é, o médium, seus auxiliares, os promotores de reuniões desta natureza e, é claro, os familiares que desejam receber os “comunicados do Além”). Sem isto, de modo coerente com a Filosofia Espírita, estaremos não diante de fenômenos mediúnicos críveis e verossímeis, mas, sim, de situações em que a fé cega e a emotividade, somada à “necessidade” de receber notícias daquele que faleceu, podem produzir o ilusionismo e a crendice exacerbada.

Deste modo, perante a infinita multiplicação das “cartas da imortalidade”, os espíritas e, também, os espiritualistas devem se valer de seguros e necessários critérios para aquilatar a veracidade das mensagens e dos próprios “transes” mediúnicos. Para isto, não conhecemos nada melhor e mais adequado do que o rito de controle estabelecido por Kardec, sobretudo em “O livro dos Médiuns”, para realizar, com bom senso, racionalidade e instrumentalidade, a análise crítica de cada mensagem em seus mínimos detalhes.

Em qualquer evocação, recordemos que nada mais é necessário do que o nome do desencarnado, a data de falecimento do ente querido e a presença do familiar, pois, se assim o quiser, o Espírito se manifestará voluntariamente e prestará as informações necessárias e suas particularidades. Simples, direto e objetivo. Sem floreios, invencionismos ou adornos. Porque a mediunidade é simples, é natural, e se baseia numa destacada Lei que rege os “vivos” e os “mortos”: a de sintonia ou afinidade.


Sem ela, pode ser tudo, menos Espiritismo!

Fontes:

KARDEC, A. “O livro dos Espíritos”. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.

KARDEC, A. “O livro dos Médiuns”. Trad. J. Herculano Pires. 20. Ed. São Paulo: LAKE, 1998.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

NóS(Espíritas) somos muitos pedantes! - Por Marcelo Henrique

 



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“Meus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem” (Yeshua).

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Alguns temas são recorrentes. Eles vão e vêm. Mesmo em discussões que, aparentemente, sequer tangenciam alguns conceitos, eles aparecem. E mostram o quanto nós ainda “patinamos” no entendimento das Leis Espirituais e dos reflexos, dela, em nós.



Vamos falar de um tema apaixonante, para os espíritas e, também, para todos que se dizem “cristãos”, ou, mais propriamente, para os que admiram a personalidade ímpar de Yeshua bar Yossef, ou Jesus de Nazaré. Ou, ainda, para mim, e minha proximidade e intimidade com ele, o Magrão.

O primeiro ponto que nos faz entender Jesus segundo o Espiritismo está focado na questão 625, da obra primeira de Allan Kardec, “O livro dos Espíritos”. Ainda que a tradução que você tem em mãos, em casa, ou que folheia na casa espírita, geralmente consigne como resposta a “menor” das 1019 perguntas que Kardec apôs neste brilhante livro, a tradução que reputo ser a mais fiel ao original, é diferente. Enquanto na “maioria” a resposta é uma palavra (“Jesus”), a do professor e filósofo de Avaré (SP), é composta por um verbo e um substantivo (“Vede Jesus”). Já escrevemos sobre isso. O original, no vernáculo kardeciano, tinha exatamente a composição que Herculano traduziu. E dela, devemos subentender e interpretar que nossos olhos, em termos do “modelo existencial humano” seria Jesus. Mas que, por extensão interpretativa, outros avatares, missionários, pessoas ímpares, em distintas civilizações, poderiam ser tidas como modelos. E o são, basta apreciar, estudar e entender suas culturas.

O modelo é, claramente, não o “estágio final” de perfectibilidade plena (perfeição relativa), mas possui, em relação aos que o tomam como tal, uma relação de logicidade e proximidade.

Consideremos, assim, incialmente, o estágio planetário de dois mil anos atrás, época em que o Magrão palmilhou as terras da Galiléia, Judéia, Genesaré, Belém e arredores... Um mundo bastante atrasado, inferior, em que a barbárie ainda era uma característica e a civilização – com o progresso das leis e dos costumes humanos – ensaiava os primeiros passos.
Um mundo em transição, considerando a cátedra espírita, entre o “primitivo” e o “de provas e expiações”, compondo, na Escala Progressiva dos Mundos Habitados, o primeiro e o segundo degraus, respectivamente. Além desses existem outros três: o de regeneração (que se avizinha, mas não se sabe quando irá ocorrer, mas decorre da paulatina transformação do anterior, onde nos encontramos), o ditoso ou feliz e, por último, no ápice do processo progressivo (Lei do Progresso, na terceira parte de “O livro dos Espíritos” – Capítulo VIII), o celeste ou divino.

Além da regra de progressão, encartada nestes cinco estágios, consequentes, de elevação espiritual, a partir das experiências individuais de cada um, na carne (isto é, estando encarnados em corpos físicos, os Espíritos), há, como substrato de validade e elemento característico e causal, o progresso individual. Assim, Kardec em consórcio com as Inteligências Superiores que o assistiram no trabalho de Codificação da Doutrina dos Espíritos, estabeleceram dez estágios de desenvolvimento, do “simples e ignorante” até o “puro”. A matéria, com o detalhamento necessário, figura na obra inicial, já citada, a partir do item 100, o que recomendamos a (re) leitura, assim como a meditação e o estudo dela decorrentes. E, mais, recomendamos o estudo coletivo, em grupos, núcleos ou instituições espíritas, seja presencial ou virtualmente – dadas as facilidades, de hoje, de utilização de ferramentas cibernéticas, cada vez mais úteis e aperfeiçoadas, verdadeiros instrumentos para o aprendizado e as relações interpessoais.

No nosso caso, recomendamos a participação em nosso fórum virtual de debates e estudos, o grupo “Espiritismo COM Kardec – ECK”, na plataforma (rede social) Facebook [1]. E, também, a visita ao nosso Portal [2], que reúne tudo o que o ECK tem produzido desde sua criação, em 2017.

Pois bem, voltemos a Jesus os nossos olhares. Ainda que não possamos tomar como verdadeiras todas as informações que são ditas “sobre” o Mestre, contidas nos quatro evangelhos canônicos, porque elas sofreram forte influência dos cânones da Igreja Romana, que selecionou, dentre quase noventa evangelhos existentes os quatro que seriam considerados como referência para o chamado “mundo cristão”, há elementos que figuram nos relatos de João, Marcos, Mateus e Lucas que são “validados” pelo Espiritismo.

Kardec trata do Rabi, seus feitos, seus ditos e suas pregações, além das curas que prodigalizou, essencialmente em “O evangelho segundo o Espiritismo”, em “O Céu e o Inferno” e em “A Gênese”, embora ele também possa aparecer nas outras obras que ele escreveu, que totalizam trinta e duas. Algumas editoras, inclusive, em publicações mais antigas, chegaram a colocar uma grade comparativa, contendo, em relação aos citados evangelhos (da Igreja) os trechos que teriam correspondência com o Espiritismo. Ou seja, o capítulo e o versículo dos evangelhos que seria tratado no capítulo da obra “evangélica” espírita, acima mencionada em primeiro plano. Notemos, ainda, que na folha de rosto do “evangelho espírita”, consta, expressamente, dito por Kardec: “Contendo a explicação das máximas morais do Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação nas diversas situações da vida”. Aí está o “fundamento” de não ser possível encontrar algum trecho da bíblia ou do novo testamento que você pode ter em casa – eu, por exemplo, tenho a edição publicada pelos Gideões, para consulta e análise comparada com os trechos das obras espíritas – nas obras publicadas pelo professor francês e, especialmente, em “O evangelho segundo o Espiritismo”.



Aquilo que foi “incluso” nos quatro evangelhos canônicos, por força da mística e da mistificação em torno de “Jesus Cristo”, o segundo elemento (personagem) da “Santíssima Trindade”, e que está associado aos dogmas e aos ritos da religião (ou das religiões) dita(s) cristã(s), obviamente, não é e nem será objeto de apreciação do Espiritismo, por absoluta incompatibilidade com as Leis Espirituais (que regem todos os mundos e se aplicam a todos os Espíritos, indistintamente), por serem meras invenções “fantásticas” do homem, desde a fundação da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e, lembremos, muitas das “confirmações” dos “mistérios” contidas nos citados quatro evangelhos, decorrem de “previsões” colocadas no Antigo Testamento, por absoluta correspondência ideológica e religiosa.

Mas, voltemos ao título que demos a esta missiva. Nós, espíritas, somos muito pedantes!

Não obstante as claras e precisas orientações dadas pelos Espíritos Superiores a Kardec (1857-1869), preferimos, nós, compor um personagem “sobrenatural” para nos referirmos a Jesus de Nazaré, o nosso “irmão mais velho”. Há, no meio espírita, por reflexo e interferência de crenças pessoais e da similitude com as “crenças irmãs” cristãs, uma tendência – forte, marcante e preponderante – de consideração de uma alegada PUREZA de Jesus, em sua estada entre os homens do nosso orbe.

Vencida a premissa fundamental – que também é um cisma no Espiritismo atual, face a existência de duas “correntes” de pensamento, absolutamente incompatíveis entre si, e que não são “novidade” dos espíritas dos séculos XX e XXI, mas, inclusive, remonta ao próprio tempo de Kardec, pois, em paralelo à publicação das obras kardecianas, um advogado francês, Roustaing, também publicou uma obra sobre a natureza de Cristo (aí, entendemos necessário e fundamental não usar o termo “Jesus”), chamada “Os quatro evangelhos: A revelação da revelação”, em que o mesmo é apresentado como um ser agênere, sem corpo físico, “materializado” para viver trinta e três anos sobre a superfície de nosso planeta.



Esta dualidade Jesus X Cristo é uma das questões mais repetidas na “vivência” espírita do nosso tempo. E vamos mostrar que, mesmo que a obra acima mencionada, de Roustaing, não seja diretamente tratada ou estudada, os conceitos que nela estão acham-se fortemente visíveis em nossas práticas espíritas.

A questão essencial é, assim, correlata à NATUREZA de Jesus. Se ele, há dois mil anos, teria sido um espírito SUPERIOR ou um espírito PURO.

Muito já se escreveu e se escreve, hoje em dia, a respeito disto. Com tentativas de defesa de uma ou de outra tese, utilizando-se de excertos, trechos transcritos, desta ou daquela obra, assinadas por vultos espirituais (que se comunicaram via mediunidade e tiveram seus relatos “aprovados” por Rivail), ou por dissertações da lavra do próprio Kardec. Ou seja, dependendo do intérprete, encontramos frase que podem validar a tese de quem defende a existência corporal de Jesus, como espírito SUPERIOR, mas não, ainda, puro, e os que se perfilam como adeptos de outra tese, a de que Jesus já se encontrava na última condição de espiritualidade, possível, ou seja a de espírito PURO.

Já escrevemos outras vezes sobre tal temática, tendo como pano de fundo e base fundamental o contido na parte da obra kardeciana que se propõe a explicitar, uma a uma, as fases de progresso individual do Espírito, ou seja, de cada um de nós, desde a criação divina, até os níveis mais elevados, futuros, de cada um de nós, seres imperecíveis, finitos, com origem (criação) mas sem fim.

O ponto que ainda não tratamos em outros escritos, nossos, e que, também, ainda não vi ser tratado por nenhum articulista espírita – e me perdoem, caso alguém já tenha, especificamente tratado, pois não é do meu conhecimento, pois não possuo o dom da onisciência – está associado à natureza da missão espiritual de Yeshua neste planeta.
Ora, se Jesus foi UM dos modelos para a Humanidade, tendo ENCARNADO, ou seja, se utilizado de uma vestimenta material (corpo físico) para o desempenho de suas “tarefas” junto aos homens daquele tempo – e para o futuro – precisamos retornar aos conceitos que já foram apresentados, inicialmente, neste texto, para demonstrar onde está o PEDANTISMO ESPÍRITA.

O que era a Terra há dois mil anos? Com os parcos registros históricos e, também, arqueológicos, disponíveis, temos o quadro destacado de início: um planeta com seres bastante inferiores, povos bárbaros que disputavam, entre si, a hegemonia sobre territórios, que dizimavam seus “inimigos”, os escravizavam e em que a força física era superior à intelectualidade, em quase todas as situações. Poucos valores morais em vigência e a ideia de obediência a vultos militares, imperiais ou religiosos. Quase nenhum espaço para a filosofia e a liberdade de pensamento, por consequência. Neste cenário, em que a Terra estaria tentando deixar para trás o estágio inicial de desenvolvimento dos mundos (primitivo) para se caracterizar no segundo degrau (o de provas e expiações), qual seria a razoabilidade de vir um espírito “dos mais desenvolvidos”, em “condição mais adiantada dentre as conhecidas”, um ser PURO?

Mais natural seria receber, como orientador, como conhecedor das Leis Espirituais e para fazer jus ao único título que ele aceitou ser chamado pelos discípulos – Mestre – que fosse um espírito SUPERIOR.

Vejamos a definição que os Luminares que trabalharam com Rivail, dão a este termo: “Segunda classe. Espíritos Superiores — Reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade. Sua linguagem, que só transpira benevolência, é sempre digna, elevada, e frequentemente sublime. Sua superioridade os torna, mais que os outros, aptos a nos proporcionar as mais justas noções sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que nos é dado conhecer. Comunicam-se voluntariamente com os que procuram de boa-fé a verdade e cujas almas estejam bastante libertas dos liames terrenos, para a compreender; mas afastam-se dos que são movidos apenas pela curiosidade ou que, pela influência da matéria, se desviam da prática do bem” (isto figura no item 111, de “O livro dos Espíritos”).

Jesus, assim, pelo que dele conhecemos, conforme os textos incluídos na Codificação, era uma personalidade ENCARNADA que reunia “ciência, sabedoria e bondade”, proporcionando, a partir dos seus ensinos e, também, dos fenômenos espirituais que ele protagonizou (curas e outros, de efeitos físicos), “as mais justas noções sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que nos é dado conhecer”.

Mas é o trecho final deste quesito (111) que mais importa e tem relevância: “Quando, por exceção, se encarnam na Terra, é para cumprir uma missão de progresso, e então nos oferecem o tipo de perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo”.

É esta, de fato, a condição real de Jesus de Nazaré. Encarnar POR EXCEÇÃO no nosso planeta, para cumprir, nele, uma missão de progresso, coletiva, oferecendo-nos o “tipo de perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo”.

A CONEXÃO PERFEITA entre a parte final da questão 111 e a contida na questão 625, utilizando-se, inclusive do mesmo conceito fundamental (tipo de perfeição aspirada), é de cristalino entendimento.

Mas, os espíritas PEDANTES querem que seja, Jesus, o ser “mais perfeito entre os perfeitos”, o PURO ESPÍRITO, porque NINGUÉM pode ser superior a Yeshua, porque, se fosse, se existisse alguém, neste planeta, que já tivesse vindo ou que virá, toda a pedagogia do Mestre estaria sob suspeição e poderia (ou pôde) ser suplantada por outro. Imagine, por exemplo, o que diriam os seguidores de Krishna, de Sidarta ou de Gandhi, para ficarmos em três pequenos exemplos de avatares, quando lhes dissermos que “Jesus é mais”. Ou, em paralelo, se conhecemos MUITO MAIS do que fizeram e ensinaram esses três personagens – ou dois deles, já que Gandhi esteve integrado à cultura ocidental, sendo, pois, posterior a Jesus e por ele, também influenciado – e “descobrirmos” que, talvez, um deles possa ser SUPERIOR a Jesus, em ciência, sabedoria ou bondade”? Seria como “a casa caiu”, entre os espíritas?

Jesus é um personagem apaixonante. É, certamente, uma das mais lúcidas inteligências que já pisou neste nosso “planetinha azul”, e sua teoria aliada à prática aplicada são-nos, sim, uma das referências mais marcantes. Não é à toa que, na própria Introdução de “O Evangelho”, Kardec compõe um ensaio magistral sobre a relação do Espiritismo com as doutrinas, incialmente, na História, de Sócrates e Platão, e as de Jesus, formando, entre elas, um vínculo indissociável. Veja que Kardec não remonta a Moisés, embora reconheça a validade dos livros que o legislador do Antigo Testamento tenha deixado à Humanidade, sobretudo “os dez mandamentos”, mas vincula o pensamento espiritista ao de Jesus (e não ao Cristianismo, que é diferente daquele porque está repleto de dogmas, sacramentos, rituais e liturgias) e à filosofia grega de Sócrates e seu discípulo Platão.

Menos, senhores espíritas! Bem menos!

Caso contrário este pensamento (ou analogia) vinculado a outros – como por exemplo a chamada “destinação espiritual do Brasil”, como “pátria do Evangelho”, “coração do mundo”, “terra de promissão”, etc., nos aproxima ao velho e corroído conceito de “terra prometida”, aspiração até hoje dos judeus palestinos.



Precisamos ser mais fraternos entre nós e para com os demais adeptos de outras filosofias, seitas ou religiões. Necessitamos ser mais razoáveis em relação aos fundamentos da própria Doutrina Espírita. Carecemos de sermos mais humildes e menos vaidosos ou presunçosos, achando que os “espíritas” têm melhores informações sobre as Leis Espirituais. Conhecimento é prática. É o que fazemos dele. É como utilizamos este conhecimento para nossa própria “libertação” das amarras do mundo físico, alçando compreensão e sabedoria em nossos voos.

Jesus, Espírito SUPERIOR nos deixou apropriada e singular mensagem, que vige até hoje. Kardec, Espírito PRUDENTE (veja a Escala Espírita, a propósito, no item 110), complementou a pedagogia de Jesus e explicou seus feitos, apresentando-nos as Leis Espirituais e seus reflexos sobre os Espíritos.

Está mais do que na hora de tentarmos nos aproximar “em espírito e verdade” dos demais seres que transitam neste plano, ao invés de continuarmos erigindo muros (ou altares) para nos diferenciar dos que nos são, como ele, Yeshua, nos apresentou, irmãos. E quando disse: “meus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem”. Sem pedantismo, portanto!

Notas do Autor:

 A plataforma de interação entre os ECKanos é:


 https://www.facebook.com/groups/Espiritismo.COM.Kardec >.

 O Portal COM Kardec pode ser acessado em: https://www.comkardec.net.br/ .


Marcelo Henrique, é professor, doutor, escritor, espírita, divulgador da doutrina espírita em todos os canais da Internet, e redes sociais, um dos fundadores da ECK - Espiritismo com Kardec, e se tornou colaborador deste Blogo em Julho de 2011, desde entao segue colaborando conosco.